sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett


Esta é aquela que, segundo os críticos contemporâneos, é a obra-prima do teatro português, em si tão escasso (isto porque são poucas as obras): Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett. Esta obra é conhecida um pouco por todo o mundo, visto que foi traduzida na Alemanha e representada ocasionalmente.
O assunto em si é histórico: Manuel de Sousa Coutinho (1555-1632) tinha desposado a viúva de um nobre desaparecido na trágica batalha de Alcácer-Quibir; o regresso do que havia sido dado por morto destruiu a família e fez entrar os esposos em conventos.
António Arroyo focava Maria como verdadeiro centro da intriga; ela seria, por um lado, símbolo da idade de ouro moribunda, ou seja, da idade inicial quando aparecem os homens, a idade em que ainda há esperança; por outro, seria uma duplicação de Manuel de Sousa e, como tal, encarnação do seu próprio espírito.
Andrée Crabbé Rocha, que conseguiu projectar plena luz sobre a génese e o problema das origens, nomeou «quatro pontos cardeais» que, simultaneamente, seriam traços fundamentais do português: o erotismo atenuado pelo medo do inferno (pecado), as forças transcendentes, fatais e conjugadas da igreja (amparo), a honra e o brio do português (noção de pátria), e o idealismo sentimental de Maria (traço romântico).
Se olharmos da obra para a sua génese não acreditamos nos quatro impulsos ideais. E, olhando da obra para adiante, não cremos que a sua importância e influência residam nas quatro dominantes. A primeira resposta é, para ambos os lados, que a obra foi criada com estrutura de tragédia.
Na sua origem, o autor descobriu um argumento que continha «toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga», ou seja, o próprio argumento interior já tem em si os elementos da tragédia.
Ao procurar entender a estrutura especial de tragédia desta obra, partimos da fábula. Pode reproduzir-se aproximadamente assim: uma mulher, a quem foi anunciada a morte do marido, longe da pátria, casa com um outro, que, já antes, não lhe era indiferente, deste casamento nasce uma filha. Anos volvidos regressa o primeiro marido tido por morto. O seu regresso destrói toda a família.
O tempo deste drama tem peculiaridades especiais. Com subdivisões não há nele só horas, dias e anos, mas datas e espaços de tempo estranhamente carregados. Sete anos se passam entre a morte do primeiro e o casamento com o segundo marido, duas vezes sete anos decorrem deste então. A sexta-feira é um dia especial para Madalena. O seu casamento, a fatídica batalha e o conhecimento com Manuel caem no mesmo dia do ano. É neste dia também que o primeiro marido regressa.
Concentração é a primeira característica da estrutura do tempo; caracteriza também a estruturação do espaço. O primeiro acto passa-se no palácio de Manuel, o segundo e terceiro no de D. João de Portugal.
O local da acção é formado por categorias semelhantes às do tempo, quer dizer, a partir do conhecimento.
Não temos diante de nós um drama de espaço, nem tão pouco um drama de personagens, pois estas são em número reduzido. Estão relacionadas umas com as outras de modo surpreendente e formam um todo fechado, ou seja, uma família. Compõe-se de pai, mãe, filha, e criado que é parte integrante da família. Pode quase dizer-se que a família é uma personagem, é a personagem do drama. Cada personagem tem uma adaptação às outras personagens.
Madalena vive com o seu desassossego, o seu pavor, os seus pressentimentos. Ela é constituída pelo sentimento de ter cometido um pecado, por ter amado Manuel ainda em vida do seu primeiro marido. Maria revela ser uma rapariga frágil, e esse estado precário de saúde de novo lhe dá predisposição para a morte final. Telmo faz parte da família, visto, porém, morfologicamente, ele é, ao mesmo tempo, a encarnação do passado, que, ameaçador, penetra no presente e pressagia, ominoso, um futuro fatal. Telmo e Maria estão ligados pela fé no regresso de D. Sebastião.
Manuel é quem menos parece estar construído em ordem ao acontecimento, sobretudo no princípio. Nele vão embater sem efeito os pressentimentos e receios de Madalena. O incêndio da sua própria casa quer ser um desafio aos governadores.
A despeito de tudo, também Manuel está ordenado ao acontecimento, logo desde o princípio. Os pressentimentos da mulher, na verdade, são para ele fantasias de criança.
«A catástrofe é um duplo suicídio … morreram para o mundo», esta é a forma e catástrofe no Frei Luís de Sousa. É um extermínio completo. Desaparece uma família inteira.


Raquel

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ironia Trágica

O conceito de ironia trágica pressupõe a convicção de que sem ironia não há tragédia. Este conceito remonta à obra de Connop Thirlwall, "On the irony of Sophocles" na qual ele defende a existência de dois níveis de ironia na tragédia. O primeiro desses níveis é o que ele chama de “ironia da acção (trágica)” e o segundo de “ironia do poeta (trágico)”.
A ironia da acção trágica é o que permite diferenciar a ideia de destino propriamente trágica da ideia de destino presente nos mitos que a tragédia toma como matéria-prima. Enquanto nos mitos o destino aparece como uma espécie de necessidade cega, de violência em estado bruto que arrasta gratuitamente o herói, apresentado como marionete dos deuses, na tragédia não há tal passividade. A queda do herói, para ser trágica, precisa em alguma medida de ser auto-infligida. A ironia da acção trágica, como bem mostrou Peter Szondi no seu ensaio sobre Édipo Rei, repousa sobre “a unidade de salvação e destruição. A destruição em si não é trágica, mas sim o facto de que a salvação vire destruição. O trágico não se consuma com a queda do herói, mas sim com o facto de o homem naufragar no caminho que tomou justamente para escapar ao naufrágio”. Essa é, aliás, uma possível interpretação do que Aristóteles chama de Peripécia.

André
Talking Heads
Once in a lifetime (para os meus amigos do 11D)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Casamento Intercultural

Hoje em dia, a sociedade que nos envolve, faz-nos cada vez mais questionar acerca de temas cuja resposta muitas vezes não nos interessa ou nos exige demasiado. O Cardeal Patriarca de Lisboa D. José Policarpo abordou o tema do casamento entre duas pessoas, em que um dos conjuges é de origem muçulmana. Na sua opinião, este género de uniões poder-se-á um problema consistente, apesar da sua evidência. A cultura muçulmana é muito peculiar, com particularidades e hábitos aos quais nem todos se sujeitariam. Por isto, D. José Policarpo avisou: 'Cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem, pensem muito seriamente, é meterem-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam.' A comunicação é e sempre foi um problema, uma vez que os muçulmanos acreditam que a sua verdade é única e incondicional. No entanto, para que haja pelo menos uma tentativa de comunicação com este povo é necessário uma “primeira atitude fundamental”, respeito e conhecimento.
Voltando à problemática do casamento intercultural com um indivíduo de raça muçulmana, seja homem ou mulher, seria cliché e muito bonito de se dizer que o amor prevalece à cultura, às dificuldades, às divergências, etc. No entanto, trata-se de um problema mais complexo, uma vez que é muito complicada a adaptação a esta cultura extremamente opressora, não havendo outra alternativa nesta situação. No caso do casamento com um muçulmano, este poderá fazê-lo fora da sua religião e cultura já a mulher muçulmana não. O discurso do nosso Cardeal, a meu ver, foi um justo conselho de realismo e não uma discriminação, apesar da falta de eloquência e ponderação com que D. José Policarpo proferiu o seu discurso. No entanto, se fizermos uma análise geral, poderemos aperceber-nos de que as palavras do Cardeal de Lisboa têm o seu sentido, sendo que, por exemplo, uma mulher que case com um homem muçulmano terá de mudar para sempre todo o seu conceito de “liberdade”, viverá escondida numa burca, nunca poderá andar na rua sem ser acompanhada, terá de ficar em casa a cuidar da família, sem se pôr a si própria a hipótese de uma vida profissional, etc. Será que o amor prevalece à liberdade? Na minha opinião isto não é amor por alguém mas sim falta de amor-próprio. Ninguém deveria pôr em risco a sua liberdade, os seus costumes, os seus ideais e as suas ideologias por um casamento opressor com costumes extremistas e retrógrados. Isto não é amor, é uma sentença de morte.


Marina
A mudança de atitude de Telmo na Cena IV do acto III,
Frei Luís de Sousa

No início da peça podemos constatar que Telmo era o homem de confiança de D. João de Portugal. Condena D. Madalena por ter casado com D. Manuel, mesmo sem ter certezas de que D. João estaria morto e toda a sua lealdade dirigia-se para D. João.
Quando D. Manuel incendiou a sua casa para fugir aos inimigos, Telmo começou a admirá-lo, pois achou que o acto de D. Manuel era puro patriotismo e considerou-o um verdadeiro português.
A partir desde momento, Telmo começou a ser fiel ao seu novo amo, D. Manuel, e deixou de julgar D. Madalena.
No seu monólogo, Telmo faz uma espécie de reflexão sobre a sua vida, ou seja, uma espécie de hybris. Mas, em vez de ser uma revolta interior, é mais uma reflexão e conclusão que Telmo faz da sua vida e de tudo o que se tinha passado com ele. Diz que se afeiçoou bastante a Maria e que já não a via como filha ilegítima ou como filha do pecado. Podemos reparar que nas palavras de Telmo existe um certo sentimento de culpa por não ter acreditado na possibilidade de D. João estar vivo. Pede desculpa por não ter acreditado e ainda refere que a aproximação entre ele e Maria não é pecado, pois considera-a com um anjo.


Raquel