sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett


Esta é aquela que, segundo os críticos contemporâneos, é a obra-prima do teatro português, em si tão escasso (isto porque são poucas as obras): Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett. Esta obra é conhecida um pouco por todo o mundo, visto que foi traduzida na Alemanha e representada ocasionalmente.
O assunto em si é histórico: Manuel de Sousa Coutinho (1555-1632) tinha desposado a viúva de um nobre desaparecido na trágica batalha de Alcácer-Quibir; o regresso do que havia sido dado por morto destruiu a família e fez entrar os esposos em conventos.
António Arroyo focava Maria como verdadeiro centro da intriga; ela seria, por um lado, símbolo da idade de ouro moribunda, ou seja, da idade inicial quando aparecem os homens, a idade em que ainda há esperança; por outro, seria uma duplicação de Manuel de Sousa e, como tal, encarnação do seu próprio espírito.
Andrée Crabbé Rocha, que conseguiu projectar plena luz sobre a génese e o problema das origens, nomeou «quatro pontos cardeais» que, simultaneamente, seriam traços fundamentais do português: o erotismo atenuado pelo medo do inferno (pecado), as forças transcendentes, fatais e conjugadas da igreja (amparo), a honra e o brio do português (noção de pátria), e o idealismo sentimental de Maria (traço romântico).
Se olharmos da obra para a sua génese não acreditamos nos quatro impulsos ideais. E, olhando da obra para adiante, não cremos que a sua importância e influência residam nas quatro dominantes. A primeira resposta é, para ambos os lados, que a obra foi criada com estrutura de tragédia.
Na sua origem, o autor descobriu um argumento que continha «toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga», ou seja, o próprio argumento interior já tem em si os elementos da tragédia.
Ao procurar entender a estrutura especial de tragédia desta obra, partimos da fábula. Pode reproduzir-se aproximadamente assim: uma mulher, a quem foi anunciada a morte do marido, longe da pátria, casa com um outro, que, já antes, não lhe era indiferente, deste casamento nasce uma filha. Anos volvidos regressa o primeiro marido tido por morto. O seu regresso destrói toda a família.
O tempo deste drama tem peculiaridades especiais. Com subdivisões não há nele só horas, dias e anos, mas datas e espaços de tempo estranhamente carregados. Sete anos se passam entre a morte do primeiro e o casamento com o segundo marido, duas vezes sete anos decorrem deste então. A sexta-feira é um dia especial para Madalena. O seu casamento, a fatídica batalha e o conhecimento com Manuel caem no mesmo dia do ano. É neste dia também que o primeiro marido regressa.
Concentração é a primeira característica da estrutura do tempo; caracteriza também a estruturação do espaço. O primeiro acto passa-se no palácio de Manuel, o segundo e terceiro no de D. João de Portugal.
O local da acção é formado por categorias semelhantes às do tempo, quer dizer, a partir do conhecimento.
Não temos diante de nós um drama de espaço, nem tão pouco um drama de personagens, pois estas são em número reduzido. Estão relacionadas umas com as outras de modo surpreendente e formam um todo fechado, ou seja, uma família. Compõe-se de pai, mãe, filha, e criado que é parte integrante da família. Pode quase dizer-se que a família é uma personagem, é a personagem do drama. Cada personagem tem uma adaptação às outras personagens.
Madalena vive com o seu desassossego, o seu pavor, os seus pressentimentos. Ela é constituída pelo sentimento de ter cometido um pecado, por ter amado Manuel ainda em vida do seu primeiro marido. Maria revela ser uma rapariga frágil, e esse estado precário de saúde de novo lhe dá predisposição para a morte final. Telmo faz parte da família, visto, porém, morfologicamente, ele é, ao mesmo tempo, a encarnação do passado, que, ameaçador, penetra no presente e pressagia, ominoso, um futuro fatal. Telmo e Maria estão ligados pela fé no regresso de D. Sebastião.
Manuel é quem menos parece estar construído em ordem ao acontecimento, sobretudo no princípio. Nele vão embater sem efeito os pressentimentos e receios de Madalena. O incêndio da sua própria casa quer ser um desafio aos governadores.
A despeito de tudo, também Manuel está ordenado ao acontecimento, logo desde o princípio. Os pressentimentos da mulher, na verdade, são para ele fantasias de criança.
«A catástrofe é um duplo suicídio … morreram para o mundo», esta é a forma e catástrofe no Frei Luís de Sousa. É um extermínio completo. Desaparece uma família inteira.


Raquel

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ironia Trágica

O conceito de ironia trágica pressupõe a convicção de que sem ironia não há tragédia. Este conceito remonta à obra de Connop Thirlwall, "On the irony of Sophocles" na qual ele defende a existência de dois níveis de ironia na tragédia. O primeiro desses níveis é o que ele chama de “ironia da acção (trágica)” e o segundo de “ironia do poeta (trágico)”.
A ironia da acção trágica é o que permite diferenciar a ideia de destino propriamente trágica da ideia de destino presente nos mitos que a tragédia toma como matéria-prima. Enquanto nos mitos o destino aparece como uma espécie de necessidade cega, de violência em estado bruto que arrasta gratuitamente o herói, apresentado como marionete dos deuses, na tragédia não há tal passividade. A queda do herói, para ser trágica, precisa em alguma medida de ser auto-infligida. A ironia da acção trágica, como bem mostrou Peter Szondi no seu ensaio sobre Édipo Rei, repousa sobre “a unidade de salvação e destruição. A destruição em si não é trágica, mas sim o facto de que a salvação vire destruição. O trágico não se consuma com a queda do herói, mas sim com o facto de o homem naufragar no caminho que tomou justamente para escapar ao naufrágio”. Essa é, aliás, uma possível interpretação do que Aristóteles chama de Peripécia.

André
Talking Heads
Once in a lifetime (para os meus amigos do 11D)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Casamento Intercultural

Hoje em dia, a sociedade que nos envolve, faz-nos cada vez mais questionar acerca de temas cuja resposta muitas vezes não nos interessa ou nos exige demasiado. O Cardeal Patriarca de Lisboa D. José Policarpo abordou o tema do casamento entre duas pessoas, em que um dos conjuges é de origem muçulmana. Na sua opinião, este género de uniões poder-se-á um problema consistente, apesar da sua evidência. A cultura muçulmana é muito peculiar, com particularidades e hábitos aos quais nem todos se sujeitariam. Por isto, D. José Policarpo avisou: 'Cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem, pensem muito seriamente, é meterem-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam.' A comunicação é e sempre foi um problema, uma vez que os muçulmanos acreditam que a sua verdade é única e incondicional. No entanto, para que haja pelo menos uma tentativa de comunicação com este povo é necessário uma “primeira atitude fundamental”, respeito e conhecimento.
Voltando à problemática do casamento intercultural com um indivíduo de raça muçulmana, seja homem ou mulher, seria cliché e muito bonito de se dizer que o amor prevalece à cultura, às dificuldades, às divergências, etc. No entanto, trata-se de um problema mais complexo, uma vez que é muito complicada a adaptação a esta cultura extremamente opressora, não havendo outra alternativa nesta situação. No caso do casamento com um muçulmano, este poderá fazê-lo fora da sua religião e cultura já a mulher muçulmana não. O discurso do nosso Cardeal, a meu ver, foi um justo conselho de realismo e não uma discriminação, apesar da falta de eloquência e ponderação com que D. José Policarpo proferiu o seu discurso. No entanto, se fizermos uma análise geral, poderemos aperceber-nos de que as palavras do Cardeal de Lisboa têm o seu sentido, sendo que, por exemplo, uma mulher que case com um homem muçulmano terá de mudar para sempre todo o seu conceito de “liberdade”, viverá escondida numa burca, nunca poderá andar na rua sem ser acompanhada, terá de ficar em casa a cuidar da família, sem se pôr a si própria a hipótese de uma vida profissional, etc. Será que o amor prevalece à liberdade? Na minha opinião isto não é amor por alguém mas sim falta de amor-próprio. Ninguém deveria pôr em risco a sua liberdade, os seus costumes, os seus ideais e as suas ideologias por um casamento opressor com costumes extremistas e retrógrados. Isto não é amor, é uma sentença de morte.


Marina
A mudança de atitude de Telmo na Cena IV do acto III,
Frei Luís de Sousa

No início da peça podemos constatar que Telmo era o homem de confiança de D. João de Portugal. Condena D. Madalena por ter casado com D. Manuel, mesmo sem ter certezas de que D. João estaria morto e toda a sua lealdade dirigia-se para D. João.
Quando D. Manuel incendiou a sua casa para fugir aos inimigos, Telmo começou a admirá-lo, pois achou que o acto de D. Manuel era puro patriotismo e considerou-o um verdadeiro português.
A partir desde momento, Telmo começou a ser fiel ao seu novo amo, D. Manuel, e deixou de julgar D. Madalena.
No seu monólogo, Telmo faz uma espécie de reflexão sobre a sua vida, ou seja, uma espécie de hybris. Mas, em vez de ser uma revolta interior, é mais uma reflexão e conclusão que Telmo faz da sua vida e de tudo o que se tinha passado com ele. Diz que se afeiçoou bastante a Maria e que já não a via como filha ilegítima ou como filha do pecado. Podemos reparar que nas palavras de Telmo existe um certo sentimento de culpa por não ter acreditado na possibilidade de D. João estar vivo. Pede desculpa por não ter acreditado e ainda refere que a aproximação entre ele e Maria não é pecado, pois considera-a com um anjo.


Raquel

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Palavras de Telmo
O que está de acordo com o que já conhecemos dele e o que não está de acordo


No início da peça, Telmo mostra-se fiel ao seu primeiro amo, D. João de Portugal. Até condena Madalena por se ter casado com D. Manuel sem saber, com toda a certeza, se o seu primeiro marido estava morto ou não.
Ao longo da peça, pode notar-se uma mudança nessa lealdade prestada por Telmo.
Após o acto de D. Manuel de incendiar a sua própria casa para fugir aos inimigos, nasceu em Telmo um novo respeito pelo seu novo amo. Chama-lhe “verdadeiro português” e um “português às direitas”, ou seja, admira-o pelo seu patriotismo e amor ao seu país.
Nesta cena, a IV do acto III, é apresentado um monólogo de Telmo. Uma reflexão feita pelo mesmo. É quase uma confissão.
Telmo admite que sente mais amor e que, naquele momento, mais lealdade por Maria do que pelo seu antigo amo, D. João. Telmo está também preocupado porque Maria é filha do pecado e tem medo que Deus a leve.
Este momento representa a revolta interior de Telmo, ou seja, está retratado um momento da tragédia, a hybris. Ou seja, é o momento em que Telmo diz a verdade, a sua própria verdade e o que sente. E mais que uma revolta, é uma reflexão sobre a situação e sobre a sua própria vida.
Neste monólogo, quase que se lê nas entrelinhas que Telmo desejava que D. João estivesse morto para poder continuar com a sua vida normal, a cuidar de Maria. A dedicar todo o seu tempo à sua nova “filha”.
É de facto uma grande mudança da opinião e sentimentos de Telmo em relação a D. João, D. Manuel e Maria. O que começa por ser uma grande admiração por D. João, passa, no final da peça, a uma substituição dessa admiração, adoração e lealdade para Maria e para a sua família. Telmo nunca viu Maria como um pecado ou o resultado de um, viu-a sempre com um anjo. Um anjo que não tinha culpa do que tinha acontecido, da morte de D. João, do segundo casamento de D. Madalena e de não se saber se D. João estava morto ou não. E, muito menos, de D. João ter voltado. Telmo nunca a olharia com outros olhos porque a ama tanto como a uma filha e nunca a veria como ilegítima.


Ana Rita
Texto Argumentativo a propósito das palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa

O Cardeal Patriarca de Lisboa surpreendeu, na noite de terça-feira, o auditório do Casino da Figueira da Foz, ao deixar um conselho às jovens portuguesas, quanto a eventuais relações amorosas com muçulmanos, afirmando: "Cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam."
Relativamente ao que o Cardeal Patriarca de Lisboa disse, concordo, pois uma mulher católica, ao casar-se com um homem muçulmano, terá de acarretar com todos os princípios dessa religião, conhecidos por não lhe darem liberdade, e por passar a estar dependente do marido.
Acho que o que o Cardeal Patriarca está certo no que diz. É preciso que a mulher, antes de se apaixonar, conheça todas as responsabilidades que isso traz. É uma viragem na vida da mulher.
Na minha opinião, acho também que o Cardeal Patriarca não pode dizer isso em público, numa conferência, como representante da Igreja Católica, visto que virá a ser mal entendido pela religião muçulmana, e é importante uma boa relação entre todas as religiões. Contudo, acho que não foi por mal, foi apenas um desabafo que, no fundo, não está em desacordo com o que a maioria de nós pensa sobre o papel da mulher na religião muçulmana.

Mariana
PATHOS

Do grego pathos, paixão. Qualidade na fala, em escritos, acontecimentos ou outros, que excita a piedade ou a tristeza; consequências terríveis do descomedimento humano, sugerindo no espectador da tragédia o temor religioso ou a sua simpatia, dependendo, desta forma, das intenções e da concepção filosófica do autor da tragédia.


João Gaspar
No decorrer da aula de Português, abordámos um pouco o tema da multiracialidade devido ao comentário do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José da Cruz Policarpo, em que este referia a ideia de que um crente cristão não deveria criar laços matrimoniais com crentes de outras religiões (referindo-se no seu comentário a crentes muçulmanos).
Acerca deste comentário, na minha opinião racista, penso que o Cardeal Patriarca de Lisboa está a ter uma atitude incorrecta, ficando preso a preconceitos acerca de uma religião maioritária e dominante (neste caso a cristã) que não poderá criar relações amorosas com fiéis de outras religiões. Primeiro que tudo, o amor, sentido por dois seres, não deve ter barreiras preconceituosas como estas, devendo antes permitir sempre a interligação mútua entre os dois, sem fronteiras, pois o amor não escolhe cores, religiões ou outros, mas simplesmente escolhe o outro. De acordo com a minha opinião pessoal, concordo com a possibilidade de existir um amor entre diferentes pessoas de diferentes religiões, pois penso que um casal de diferentes religiões não vai mudar de crenças só porque o seu parceiro de vida pensa de maneira diferente, acerca de uma crença religiosa que tem e, portanto, penso que o amor é amar o próximo da maneira como este é e foi, não de uma maneira ideal de como se pensa que este venha a ser e, portanto, quando se ama, respeita-se as escolhas dos outros, não mudando de maneira alguma a forma e quantidade de amor que existe entre um e outro.
Apesar de não concordar com muitas maneiras existentes hoje em dia de amar, uma coisa é certa, este tipo de amor (um amor entre religiões) não tem nada que o impeça de existir. Apenas os preconceitos podem arruinar a existência deste amor. Muitas vezes também pensamos de onde surge esta quantidade significante de preconceitos e, após reflectirmos um pouco, podemos entender que surge do livro mais publicado de sempre: A Bíblia. Este é o livro da religião cristã (a religião com mais seguidores à face da terra) e o que impôs a maioria dos preconceitos existentes na sociedade de hoje em dia, embora esta sociedade actual esteja um pouco mais actualizada.
Em conclusão, penso que a existência deste amor entre diferentes religiões é sempre possível se existir de verdade e penso também que se esta existência for mesmo real e pura não existirá qualquer barreira que o possa impedir.


João Gaspar
No monólogo de Telmo podemos reparar que este se afeiçoou demasiado a Maria, deixando, assim, de ser totalmente leal a D. João de Portugal, presumivelmente morto na batalha de Alcácer-Quibir. Nesta fala pode reparar-se que Telmo, apesar de desejar e de ter sonhado durante bastante tempo, esperando o regresso de seu amo, D. João, nesta altura não consegue deixar Maria, filha ilegítima de D. Madalena e de D. Manuel.
Nesta altura da peça, podemos reparar numa mudança extrema de atitude de Telmo, pois, devido a um excessivo afeiçoamento para com Maria, ele “esqueceu-se” da sua lealdade para com D. João, o que o torna “livre”, na medida em que deixa de ser para sempre o aio de D. João. Assim, nas suas palavras, pode reparar-se num sentimento de culpa por não ter acreditado até aos últimos dias que o seu aio estava vivo. Por isso pede desculpa pelo pecado cometido e, depois, também volta a referir que não há hipótese de haver pecado por se aproximar de “um anjo”, Maria, a filha ilegítima de D. Manuel e D. Madalena .


João Gaspar
O Cardeal Patriarca de Lisboa alertou as jovens portuguesas para a possibilidade de o casamento com um muçulmano acarretar um “monte de sarilhos”, devido ao fosso entre as duas culturas. D. José Policarpo admite que a comunidade cristã é muito ignorante em relação à muçulmana, sendo o conhecimento o primeiro passo para um diálogo, que classifica de “muito difícil”. A comunidade islâmica não comenta, para já, as declarações do Cardeal.
Na minha opinião, estas palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa não apelam àquilo que é um dos princípios da igreja, o casamento, entendido como uma união, através da qual as pessoas se juntam por várias razões, mas normalmente para dar visibilidade à sua relação afectiva, para buscar estabilidade económica e social, para formar família, procriar e educar os seus filhos, legitimar o relacionamento sexual ou para obter direitos como nacionalidade. Logo, acho que o casamento entre pessoas de etnias diferentes não deveria ser tabu ou problema.


Madalena
Acto III
Cena IV
Mudança de Telmo:

Telmo era o homem de confiança de D. João de Portugal e reprovava o casamento de D.Madalena com Manuel de Sousa Coutinho, pois, na sua óptica, o homem que merecia todo o respeito era D.João.
Entretanto, há vários factos que provocam a mudança em Telmo:
- o reconhecimento pelo carácter de grande patriota que não hesita em deitar fogo à sua casa para mostrar aos governadores castelhanos que, para ele, rei só havia um: Português (estamos a falar de Manuel de Sousa Coutinho);
- a vivência ao lado de Maria, vê-la a crescer e desenvolverem-se nela dotes admiráveis que despertam nele, no velho Telmo, o seu coração de homem sensível quase como um avô que acompanha dia-a-dia aquela menina em fase de crescimento e ele adora-a, ajuda a educá-la, conta-lhe histórias e, a cada dia que passa, vai ficando cada vez mais preso a Maria.
Com estes dois grandes factos não admira que haja uma mudança em Telmo, relativamente a Manuel de Sousa Coutinho a quem agora admira e compreende. Relativamente àquela menina que vê crescer dia a dia e a quem ele ama, recusa-se a pensar que ela pode sofrer com o afastamento dos pais e prefere ficar do lado dela em vez do lado do seu antigo rei, D.João de Portugal.
Quando fala com D. João, nota-se essa mudança, ele explica-lhe que na sua ausência, ou seja naqueles 14 anos tinha nascido uma menina inocente e que merecia ser feliz, não castigada pelo destino, pelo seu regresso e toma uma posição que, outrora nem em causa punha.


Ana Patacão
A mudança ocorrida em Telmo Pais

Telmo Pais era o antigo aio e amigo escudeiro de D. João de Portugal e tinha um enorme amor, dedicação e fidelidade por este. Depois da “morte” de D. João, e passados cerca de sete anos, D. Madalena volta a casar, desta vez com Manuel de Sousa Coutinho: estes eram os "patrões" actuais do escudeiro Telmo e, além disso, este era considerado um amigo muito próximo ou mesmo parente da família.
Apesar de todos acharem que D. João tinha morrido, Telmo mantinha-se firme, pois acreditava que o seu senhor continuava vivo. Telmo não aceitava muito bem o facto de D. Madalena ter recomeçado a sua vida e de ter casado pela segunda vez: era uma prova de que D. João de Portugal podia ser superado ou ultrapassado. E isto era algo que Telmo pensava nunca conseguir: construir a sua vida sem a presença de D. João. Apesar de D. Manual de Sousa Coutinho ser um honrado e gentil cavalheiro, nunca conseguiria atingir o estatuto que D. João tivera para o próprio Telmo.
Deste segundo casamento resultou uma única filha, D. Maria de Noronha. No princípio, quando esta ainda era criança, Telmo não conseguia sentir um grande afecto por ela, pois sentia que D. Maria tinha nascido de uma traição, mas, à medida que esta foi crescendo, Telmo foi descobrindo um anjo dentro dela, repleto de bondade e de formosura. Numa das passagens iniciais, Telmo mostra o pouco apreço que tem pela situação em que D. Maria se encontra, já que esta era “digna de nascer em melhor estado”.
D. Madalena tem um enorme respeito e amizade para com Telmo, pois foi sempre admirando cada vez mais a sua pessoa e colocou-o numa posição bastante elevada na sua vida. Quando o seu primeiro marido morreu, D. Madalena apoiou-se em Telmo, que lhe dedicou todo o carinho e afecto que tinha para dar.
Telmo, sem se aperceber, foi transferindo o amor e admiração que tinha por D. João para D. Maria. Só no final na peça é que Telmo percebe que também tinha mudado, e que agora era D. Maria a sua senhora. Foi este o processo que se desenrolou ao longo da peça: por um lado, uma descoberta de si próprio, que só se concretizou no final da peça, e por outro lado a mudança que se instalara sem Telmo sem este se aperceber. Quando, no final da peça, é provada a crença de que D. João de Portugal estava vivo, Telmo também se apercebe que já não era o mesmo homem. Dá-se na cena IV do terceiro acto uma confissão marcada pelo sentimentalismo por parte de Telmo, quando este expõe a sua confusão interior. Nesta cena, a mudança de Telmo torna-se evidente e clara aos seus próprios olhos: o amor por D. Maria ultrapassara e apagara aquele que fora sentido por D. João. Durante todos esses anos, Telmo esperou pacientemente pela vinda do seu senhor, acreditando que era esse o desejo. Esperou tanto e desejou o seu regresso de uma forma tal que não conseguiu distinguir se era realmente isso que queria. Tinha-se habituado a essa espera, sem nunca reflectir e entender que era D. Maria que o preenchia. Dá-se então uma morte psicológica do antigo Telmo. Na cena V, Telmo assume uma nova posição perante a sua realidade: é chamado a admitir a D. João de Portugal, seu bom senhor e amigo, os novos sentimentos que se manifestavam e que se elevavam a quaisquer outros.


Marta Serra

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Comportamento de Telmo na Cena IV do acto III,
de Frei Luís de Sousa

Ao longo da peça, Telmo Pais comporta-se sempre de uma forma leal para com D. Madalena e Manuel de Sousa, recordando com lealdade o seu antigo amo, D. João de Portugal.
Na cena IV do acto III, Telmo muda de atitude.
No início do seu discurso, o escudeiro mantém e relembra a lealdade de sempre para com D. João de Portugal, acreditando que um dia ele iria voltar da batalha de Alcácer-Quibir, de onde desaparecera 20 anos antes.
“Meu honrado amo, o filho do meu nobre senhor está vivo… o filho que eu criei nestes braços… vou saber novas certas dele – no fim de vinte anos de o julgarem todos perdido – e eu, eu que sempre esperei, que sempre suspirei pela sua vinda…”
No entanto, Telmo apercebe-se que era um milagre que ele esperava sem o crer. Telmo sente-se dividido entre a lealdade que tem para com D. João de Portugal e a afeição por Maria, pede mesmo a Deus que o leve. Toda a sua lealdade pertence agora a Maria “… é que o amor desta outra filha, desta última filha, é maior, e venceu… apagou o outro”.
Telmo, que ao longo de 20 anos tinha ansiado pelo regresso de D. João de Portugal, apercebeu-se de que não queria realmente a sua vinda, pois esta iria acrescentar ainda mais sofrimento a Maria. O regresso de D. João vai ser uma fatalidade para toda aquela família. Pede a Deus que o leve e que poupe a vida a Maria, dando-lhe mais algum tempo de vida.

João Figueiredo
Na minha opinião, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D.José Policarpo, não foi muito correcto ao dizer que as mulheres deviam pensar muito bem antes de casarem com muçulmanos.
Eu não concordo com o Cardeal, porque penso que ele está a contribuir para a desunião das pessoas. Por muitos conflitos religiosos que uma cristã e um muçulmano possam vir a ter, acho que não é motivo suficiente para impedir um casamento.
Penso que o que o Cardeal quis dizer é que as mulheres portuguesas se deviam informar e conviver com a religião muçulmana antes de se casarem com um muçulmano. No entanto, pareceu transmitir a mensagem que o casamento entre uma cristã e um muçulmano só gera conflitos.
Percebo o motivo da polémica gerada em torno da sua afirmação, e acho que o Cardeal vai passar a ter mais cuidado ao abordar assuntos como este.

João Figueiredo
“Cautela com os amores. Pensem duas vezes antes de casarem com um muçulmano, pensem, pensem muito seriamente, é meterem-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam.”?
É a coisa mais racista que alguma vez ouvi, mas, ao mesmo tempo compreensível. Sim, porque as pessoas têm um certo hábito de julgar em vez de perceber. Preferem ir pelo caminho mais fácil e discriminar do que ir pelo mais difícil e perceber o que é diferente.
Penso que as palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa fazem sentido para algumas pessoas, pois estamos inseridos numa sociedade que ainda não está totalmente evoluída em relação às outras culturas. Inicialmente, era um escândalo, uma jovem de cor branca envolver-se com um rapaz de origens africanas. Era uma afronta à dignidade portuguesa. Mas, sinceramente, nunca percebi o porquê destas opiniões, pois as relações com o nosso país e o continente africano já vêm escritas na História de Portugal.
Hoje em dia, um casamento entre pessoas de origens portuguesas e africanas já não é um tabu da nossa sociedade porque, ao longo do tempo, as pessoas tentaram entender e aceitar as pequenas diferenças existentes.
Acho que as diferenças entre a cultura portuguesa e a muçulmana também poderão ser ultrapassadas pois a mente das pessoas está em constante evolução. Não será, certamente, por estar escrito que um homem muçulmano tem de ser o ‘dono’ da sua mulher ou de mais, que as próximas gerações que se fixem em Portugal pensem assim.

Raquel
Os recentes comentários do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, foram um tanto ou quanto exagerados, embora os considere relativos, visto que o casamento é um compromisso para ser levado para toda a vida e acredito que qualquer pessoa deva pensar, não só duas, mas inúmeras vezes antes de avançar com a decisão de se casar ou não com outra pessoa, seja ela seguidora ou não de uma religião.
Mas, parece-me impossível que as palavras de D. José Policarpo sejam interpretadas a partir desse ponto de vista, já que, na minha opinião, foi bastante ofensivo da sua parte ‘’prevenir’’ as jovens portuguesas do ‘’monte de sarilhos’’, palavras suas, em que se envolveriam caso viessem a casar com um muçulmano, fazendo referência, ainda, ao deus da religião Islâmica, Alá.
Sendo assim, considero hipócrita da parte de um dos representantes dos cristãos católicos em Portugal, defender que seja necessário ‘’respeito e conhecimento’’ em relação à religião em questão e ainda audacioso, da parte do mesmo, requerer diálogo com a comunidade muçulmana quando o próprio se coloca numa posição opositora à miscigenação entre as culturas, tornando, assim, a mágoa sentida pelos muçulmanos bastante compreensível.
Particularmente, defendo que o amor se sobreponha a qualquer questão de natureza religiosa e que, se as pessoas se amam e partilham o desejo de viverem até ao fim das suas vidas ao lado uma da outra, devem fazê-lo independentemente disso.

Ana Carolina
Embora não tenha ouvido o Cardeal Patriarca de Lisboa a alertar as portuguesas para os riscos dos casamentos com muçulmanos, li a notícia do jornal «Público» que relatava esse assunto.
A notícia mostrava algumas frases ditas pelo Cardeal como “o monte de sarilhos que iriam arranjar ao casar com muçulmanos, que nem Ala sabe onde acabam”. Na minha opinião, o que o Cardeal quis dizer com esta frase é que as mulheres que se casam com os muçulmanos ficam metidas em tamanhos problemas que nem Alá, o seu Deus, saberá acabar com eles. Dando um exemplo real, para dar uma maior credibilidade ao seu discurso, ao alegar que uma jovem francesa de educação cristã quando foi para “o país deles” foi obrigada a cumprir o regime das mulheres muçulmanas. O Cardeal acrescentou ainda que o diálogo com os muçulmanos em Portugal é muito difícil, visto que eles estão sempre a tentar converter os católicos à sua religião.
A meu ver, o Cardeal Patriarca fez uma generalização apressada com o caso da jovem francesa. Para além disso, penso que está a discriminar a comunidade muçulmana, o que é mais fácil do que compreender porque é que tem determinados comportamentos, dando origem a confrontos culturais, por vezes demasiado fortes.
O Islão é a segunda religião com mais fiéis no mundo, onde o número de crentes tem vindo a crescer mais do que em qualquer outra. Existem cerca de 1, 3 biliões, no entanto, apenas 18% vive no mundo árabe. Em Portugal estima-se que existam 30 mil muçulmanos e, segundo o Cardeal Patriarca de Lisbao, é muito difícil falar com eles. Agora eu pergunto como é que Portugal pode então viver pacificamente?
O islamismo reconhece elementos de verdade no judaísmo e no cristianismo. Todos os profetas do judaísmo são reconhecidos também como profetas no Islão, assim como Jesus Cristo, que de acordo com a perspectiva muçulmana teria anunciado a vinda de Maomé. Para os seguidores destas duas crenças o Corão reservou a noção de “Povos do Livro”estabelecendo que devem ser tolerados devido ao facto de possuírem escrituras sagradas. À medida que os muçulmanos tomaram contacto com outras religiões detentoras de revelações escritas, acabaram em alguns casos por conceder-lhes também esse estatuto.
Porém, se o Islão reconhece o papel preparatório do judaísmo e do cristianismo, considera igualmente que os seguidores destas religiões acabaram por seguir caminhos errados. Os judeus procederam mal ao adorarem o bezerro de ouro, tendo-se tornado idólatras, enquanto que os cristãos erraram ao considerar Jesus filho de Deus e a defender doutrinas como a da Santíssima Trindade.
O Islão é também uma religião onde não há uma autoridade oficial que decide se uma pessoa é aceite ou excluída da comunidade de crentes. O Islão é aberto a todos, independentemente de raça, idade, género, ou crenças prévias. É suficiente acreditar na doutrina central do islamismo, acto formalizado pela recitação da chahada, o enunciado de crença do Islão, sem o qual uma pessoa não pode ser considerada um muçulmano. Sendo assim, na minha opinião, quem entra deverá sair com a mesma facilidade, portanto, as mulheres que se casam com muçulmanos, se estão insatisfeitas, deverão sair de igual forma, não competindo ao Cardeal alertá-las sobre tal.

Ana Margarida
As palavras de D. José Policarpo, Cardeal de Lisboa, proferidas na noite de terça-feira, dia 13, foram severamente atacadas por parte dos indivíduos e das instituições. As suas declarações de que as mulheres europeias “têm de ter cautela com os amores com muçulmanos” e que devem “pensar duas vezes antes de casarem com um muçulmano” foram criticadas e interpretadas de uma forma incorrecta por parte da comunicação social.
Escusado será dizer que concordo com as suas palavras, pelo facto de ser tão óbvia esta realidade. Temos de ser realistas: qual é o grau de abertura e de iniciativa no diálogo dos muçulmanos para com as outras religiões? Será por acaso que não existem Igrejas Católicas em Meca enquanto que existem mesquitas em Itália, sede de todo o Cristianismo? E mesmo em Portugal, a Igreja Católica mantém uma relação saudável e de tolerância para com os muçulmanos no país, embora estes estejam pouco abertos ao diálogo. Como o Cardeal disse, “só é possível dialogar com quem quer dialogar”. Não há dúvidas de que para poder existir diálogo inter-cultural é preciso estar na disponibilidade de conhecer e de se dar a conhecer às outras culturas ou religiões, simplesmente porque não as conhecemos nem as outras nos conhecem. O conhecimento do outro e a sua compreensão é o primeiro passo para o diálogo, e portanto, sendo a religião muçulmana fechada em si mesma, não deixa espaço senão para a profunda separação entre religiões. O diálogo é a única ponte que as pode ligar.
Nós não podemos ignorar o peso que as nossas diferenças culturais têm na relação uns com os outros, porque estas existem, apesar de todo o esforço para deixar isso de lado. Isto não se trata de preconceito ou de intolerância, mas sim de realismo.
Vivemos numa sociedade que pretende cultivar o diálogo inter-cultural e religioso, como sinal da evolução de mentalidades, mas temos de reconhecer que ainda não é isso que se colhe. Queremos chegar lá, mas enquanto as religiões não comunicarem, temos de ter consciência das dificuldades que existem nas relações entre pessoas de diferentes religiões e não podemos ignorá-las. Além do mais, existem casamentos entre mulheres europeias e homens muçulmanos que são a prova viva de que o matrimónio pode perdurar, e outros ainda que acabam de formas terríveis, o que não contradiz a observação que foi feita: “é preciso ter cuidado”, não é preciso evitar.
Na religião muçulmana, a mulher é inferiorizada, é submetida em tudo ao marido e perde tanto as suas liberdades como muitos dos seus direitos. Trata-se de factos reais que justificam o conselho do Cardeal, mas que não impedem o seu relacionamento e que não incentivam de modo algum nem à intolerância, nem à discriminação. As pessoas são livres de fazerem o que acharem melhor, e embora pensem que Dom José Policarpo acaba por atacar os muçulmanos e de se colocar contra eles, este apenas está a favor da mulher e da sua liberdade. A verdade é que esta é mais uma pedra que se pode atirar à Igreja, esta que “continua a viver na antiguidade” e que “não está disposta a acompanhar a evolução da sociedade”. E isto percebe-se, uma vez que a Igreja não pode evoluir ao ponto de aceitar ideais que vão contra os seus princípios. Mas criticar a religião católica e dizer que esta mostra discriminação perante outras religiões, é esquecer uma das suas principais missões.
As mulheres devem, portanto, pensar muito bem antes de casarem com um muçulmano, porque estarão a sujeitar-se a regras rigorosas e intransigentes que não levam de nenhum modo a uma maior tolerância ou respeito entre indivíduos com crenças diferentes.

Marta Serra
No passado dia treze de Janeiro o Cardeal Patriarca de Lisboa, D.José Policarpo, alegou que o casamento de uma cristã com um muçulmano poderia conduzir a «um monte de sarilhos», falando na tertúlia “125 minutos com Fátima Campos Ferreira”, que decorreu no casino da Figueira da Foz.
O Cardeal deixou um conselho às jovens portuguesas que estão para casar para repensarem nos seus relacionamentos com muçulmanos.
Na minha opinião, tratou-se uma intervenção bastante infeliz por parte de alguém que exerce tamanha força na nossa sociedade. Quando são feitos, estes comentários não podem fazer transparecer a opinião pessoal, mas sim a da instituição a que se pertence.
O papel da Igreja não pode passar nunca por criar conflitos, discriminações ou qualquer outra coisa que possa ter passado pela cabeça das milhares de pessoas que tomaram conhecimento desta intervenção.
A realidade é que este conselho vai ser tomado à risca por muitas pessoas que acreditam e nunca poriam em questão uma única palavra vinda da Igreja. Alegações como as que o Cardeal fez, podem ser mal interpretadas e desencadear uma série de conflitos, pois, ao falar desta forma, misturaram-se assuntos complicados, como a Guerra de Religiões.
A verdade é conhecida e cada vez mais divulgada pelas próprias vítimas praticantes da religião muçulmana. Não é fácil muitas vezes viverem com regras tão dolorosas e rigorosas como as impostas pela religião muçulmana. As mulheres acabam por viver sob as ordens dos homens. É como se, a partir do momento em que a cerimónia se realiza, a mulher passasse a ser propriedade do homem.
Apesar de muitas das regras impostas não fazerem sequer parte dos direitos humanos, e de eu não concordar com as condições a que estas mulheres são submetidas somos obrigados a aceitar e acima de tudo a respeitar.
Quando uma mulher católica casa com um muçulmano e admite que lhe sejam impostas estas regras não tem direito de acusar ninguém, pois, a partir do momento em que fez esta união, comprometeu-se com a religião e com a sua nova família.
Mas não podemos rotular os muçulmanos dizendo que todos eles tratam mal as mulheres, não é correcto. Do mesmo modo, não é correcto afirmar-se que um homem, só porque é português, vai violentar a sua mulher. Não é pelo facto de a violência doméstica ter um valor menor que possa vir a ser generalizada em todas as casas de família.
Assim, não é a nacionalidade ou a religião que vão descrever a vida de uma pessoa, ou prever o seu futuro.
Mas, apesar de tudo, acredito que, apesar de infeliz a intervenção do Cardeal Patriarca, não foi de mau grado, porque, no fundo, penso que ele, ao dizer isto não impôs nada a ninguém. A sua intervenção foi um alerta, querendo chamar a atenção para os problemas com os dois sistemas de casamento e de tratamento que são muito diferentes, podendo provocar um choque cultural.
Mas reforço que o discurso não foi bem sucedido, até porque o Cardeal já conhece bem este meio e sabe que as suas palavras acabaram e acabarão por ser interpretadas de uma outra forma, atacando a Igreja católica, pois é a instituição que D.José Policarpo representa.

Mafalda Monteiro
As palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, geraram polémica e controvérsia. Disse que as mulheres cristãs devem pensar muito bem e mais que uma vez se forem casar com homens muçulmanos. Disse também que a opressão feita por esta cultura às mulheres é testemunhada por várias mulheres, ou seja, que já houve casos destes – casamentos entre mulheres cristãs e homens muçulmanos, que não correram bem. Pelo menos, segundo as suas palavras.
Em primeiro lugar, acho que todas as mulheres devem pensar duas vezes antes de casar, seja o noivo muçulmano, cristão ou de qualquer outra religião. O suposto do casamento é ser eterno, e ambos têm de ter a certeza do que estão a fazer e porque o estão a fazer.
Em relação às palavras do Cardeal, concordo apenas com o facto de se ter de pensar mais que uma vez quando as raparigas se vão casar. É verdade que alguns muçulmanos oprimem e subjugam as mulheres, mas não é a religião. No seu livro sagrado, o Corão, não está escrito que se deva oprimir as mulheres e tratá-las com desigualdade, muito pelo contrário.
O curioso no discurso do Cardeal Patriarca de Lisboa é o facto de não referir o caso contrário, ou seja, homens cristãos casarem com mulheres muçulmanas. A pergunta que impera é então: os homens não precisam de pensar quando vão casar? Pelas palavras do mesmo, parece que não.
Então, já é aceitável os homens cristãos casarem com mulheres muçulmanas porque na sua cultura as mulheres não têm poder nenhum sobre os homens?
São demasiadas perguntas. Perguntas cujas respostas não estão no discurso deste Cardeal.
É também feita uma generalização. Por certo, nem todos os homens muçulmanos são assim. O bem e o mal estão retratados em tudo, e de certeza que há homens muçulmanos que são bons e que nunca seriam capazes de oprimir as mulheres. Muito menos, oprimi-las pelo simples facto de serem mulheres.
Existe também uma discriminação. Está subjacente em todo este discurso. Basta reparar que o que o Cardeal está a dizer é simplesmente para as mulheres cristãs casarem com homens cristãos e para não se “misturarem” com outras religiões. Quase que dá a ideia que o Cardeal acha a sua religião melhor que a outra por causa disto e daquilo. Uma religião que tem tantos problemas como todas as outras.
Concluindo, acho que esta discriminação não devia ser feita por uma figura que está numa posição alta na hierarquia da Igreja – como a que foi feita pelo Papa quando disse que se deve salvar a Humanidade da Homossexualidade. Só alimenta os preconceitos e as discriminações já existentes. Aliás, ninguém devia discriminar os outros por serem diferentes. E se a mulher cristã e o homem muçulmano se casarem pelos motivos certos, não vejo qualquer problema nesse casamento. Nem neste nem noutro casamento em que as religiões não sejam iguais.

Ana Rita

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Um episódio é uma parte de um trabalho dramático, como, por exemplo, de uma série de televisão ou de um programa de rádio, sendo o trabalho constituído por vários episódios ou passagens. Um episódio de um trabalho dramático pode ser comparado a um capítulo de um livro.


Marta Serra

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Terror é um grande medo, pavor ou pânico, é uma coisa ou pessoa que mete medo, que é extremamente desagradável.

Piedade é amor e respeito pelas coisas religiosas; devoção; religiosidade; compaixão; dó e misericórdia.

Mariana Morais

domingo, 14 de dezembro de 2008

Catarse é a purificação das almas, por meio da descarga emocional provocada por um drama. Este é um conceito teorizado por Aristóteles.
Segundo o filósofo, para suscitar a catarse, era preciso que o herói passasse da dita para a desdita, ou seja, da graça para a desgraça. E mais ainda: não pode ser por acaso, e sim por uma desmedida, ou seja, por uma acção ou escolha mal feita do herói.
Ainda segundo o filósofo grego, se um homem bom passa da má para a boa fortuna, nós não sentiremos terror; se um homem bom passa da boa para a má fortuna, nós ficamos com pena, e sentimos compaixão ou terror; se um homem mau passar da boa para a má fortuna, nós ficamos felizes da vida; e se um homem mau passar da má para a boa fortuna, nós sentimos repugnância.
Ou seja, é preciso que o herói trágico passe da FELICIDADE para a INFELICIDADE por alguma desmedida sua para atingir a catarse. Por exemplo? Édipo, que começa a história como rei de Tebas e no fim se cega e se exila. Ou, uma história mais próxima de todos, Romeu e Julieta, numa releitura que Shakespeare faz da tragédia, onde os dois eram filhos de importante gente da cidade e acabam mortos pela desmedida do amor.
Katharsis (Catarse) - Purificação das emoções e paixões (idênticas às das personagens), efeito que se pretende da tragédia, através do terror (phobos) e da piedade (eleos) que deve provocar nos espectadores.

Ana Rita
Hamartia


“Hamartia” é um conceito desenvolvido por Aristóteles, como um dos três tipos de lesão que uma pessoa pode cometer contra outra pessoa. Hamartia is an injury committed in ignorance (when the person affected or the results are not what the agent supposed they were. Hamartia é uma lesão cometida na ignorância (quando a pessoa afectada ou os resultados não são o que era suposto ).
This form of drawing emotion from the audience is a staple of the Greek tragedies. Esta forma de desenho-emoção do público é um agrafo das tragédias gregas. In Greek tragedy, stories that contain a character with a hamartia often follow a similar blueprint. Na tragédia grega, histórias que contêm uma personagem com uma hamartia muitas vezes seguem um esquema semelhante. The hamartia, as stated, is seen as an error in judgment or unwitting mistake is applied to the actions of the hero. A hamartia é vista como um erro de julgamento ou engano involuntário que se aplica às acções do herói. For example, the hero might attempt to achieve a certain objective X; by making an error in judgment, however, the hero instead achieves the opposite of X, with disastrous consequences. Por exemplo, o herói pode tentar alcançar um determinado objectivo X, efectuando um erro no julgamento, este atinge o contrário de X, com consequências desastrosas.
Aristotle first introduced hamartia in his book Poetics of Aristotle. In this book he explained the meaning of the word, which is “tragic flaws.” However through the years the word has changed meanings. Aristóteles introduziu o conceito pela primeira vez no seu livro Poética. Neste livro, ele explica o significado da palavra, que é “falhas trágicas". No entanto, ao longo dos anos, o significado evoluiu. Many scholars have argued that the meaning of the word that was given in Aristotle’s book, is not really the correct meaning, and that there is a deeper meaning behind the word. Muitos estudiosos têm argumentado que o significado da palavra que foi dada no livro de Aristóteles, não é realmente o significado correcto, e que existe um profundo sentido da palavra. In the article “ Tragic Error in the Poetics of Aristotle,” a scholar by the name of JM Bremer, first explained the general argument of the poetics and in particular, the immediate context of the term, he then traces the semasiological history of the hamart-group of the words from Homer, (who was another scholar who was trying to figure out the meaning behind the word) and Aristotle and he concluded that of the three possible meanings of hamartia (missing, error, offence), the Stagirite uses the second in our passage of Poetics. No artigo “Trágico Erro na Poética de Aristóteles,” um estudioso do nome de JM Bremer, explicou o primeiro argumento geral da poética e, em particular, o contexto imediato do termo. Em seguida, ele traça a história da "semasiological" -grupo das palavras de Homero, (que era outro especialista que estava tentando descobrir o sentido da palavra) - e concluiu que existem três possíveis significados para hamartia (falta, erro, delito). O Stagirite usa a segunda, na nossa passagem da Poética. It is, then a “tragic error, ie a wrong action committed in ignorance of its nature, effect, etc., which is the starting point of a causally connected train of events ending in disaster. Trata-se, portanto, de um "erro trágico, ou seja, de uma acção errada cometida na ignorância da sua natureza, efeito, que é o ponto de partida de uma cadeia de eventos ligados causalmente que termina em desastre. Today the word and it’s meaning is still up in the air; even so the word is still being used in many plays today. Hoje, o significado da palavra ainda é incerto; mesmo assim, a palavra ainda é muito utilizada hoje em dia.

Ana Margarida
Êxodo

Inicialmente, como indica o seu nome, era simplesmente a saída do coro, cantando e dançando no final da peça, como por exemplo n´As Suplicantes e n´As Euménides. Posteriormente, com a diminuição gradual do papel do coro, passou a ser a última cena depois do último estásimo e que termina o drama. Por exemplo em Agamémnon. Esta diminuição do papel do coro, no êxodo, pode ser de 2 formas: em primeiro lugar, podia terminar o drama com um "diálogo lírico" entre coro e atores (ex.: Persas), ou em alguns versos finais do corifeu. Poderia haver nesta última cena uma fala final de um deus que seria o epílogo, mais comum em Eurípides.

Raquel

Catástrofe

A Catástrofe é um desenlace trágico, que deve ser indiciado desde o início, resultando do conflito entre o desafio da personagem e o destino. Este conflito desenvolve-se num crescendo de sofrimento, até ao ponto culminante (clímax).
Segundo Aristóteles, a catástrofe é “uma acção perniciosa e dolorosa, como o são as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes.”
A catástrofe define-se assim, como o evento ou os eventos dolorosos e funestos que acontecem em cena, correspondendo a ferimentos ou mortes.



João Figueiredo

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Anagnórise: parte da tragédia clássica que consiste no reconhecimento de laços de parentesco até então insuspeitados e que conduz muitas vezes o drama para um sentido inesperado.

Reconhecimento: acto ou efeito de reconhecer; sentimento de gratidão; exame; averiguação; inspecção;ratificação; gratidão; recompensa; operação militar que tem por objecto obter informações sobre a posição do inimigo; acto oficial em que se declara que a letra ou a assinatura de um documento são da própria pessoa que o escreveu ou assinou.

Ana Patacão

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A palavra 'Drama' é proveniente da Grécia antiga e significa "acção", em grego. Segundo Aristóteles, o Drama era um "modo" de literatura. Drama surge numa dupla articulação - com a literatura e com o teatro - embora a natureza, o sentido e a função dessa articulação tenham posteriormente variado de acordo com os tempos, as práticas artísticas e as proposições (e avaliações) estéticas. Decorre no campo do literário, das relações que se estabelecem entre os diferentes modos e géneros literários, e decorre no campo do teatral, do que se entende ser a especificidade deste e do grau de intercepção que pode (ou não) operar na matéria literária, bem como da arquitectura teatral e dos códigos de representação cénica dominantes. Hoje é também usado como definição genérica de filmes, cinema, telenovelas e teatro.Na sua relação com a literatura em geral, o drama inclui-se no género dramático, em contraponto com os géneros lírico e épico (ou narrativo).

Madalena

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Embora em forma musical, aqui vos deixo um pensamento para o dia.

domingo, 23 de novembro de 2008

Uma leitura de Medeia, de Eurípides


O livro que li foi a recriação poética da tragédia de Eurípides, Medeia, de Sophia de Mello Breyner. Sophia de Mello Breyner já tinha feito outras recriações de obras gregas, como, por exemplo, da Odisseia, de Homero.
Toda a acção decorre em Corinto, onde o rei é Creonte. Medeia era casada com Jasão e, juntos, tiveram filhos. A Ama chamava a Jasão, o “Tosão de Oiro”. Medeia era cega e possuída pelo amor de Jasão. Ela procurou sempre que todos a amassem e tentara sempre a concordância de Jasão. A Ama dizia que só existe paz quando uma mulher se submete.
Mesmo assim, Medeia foi magoada. Jasão traíra-a, a ela e aos filhos. Traiu-a com a filha de Creonte, rei do país. Perante esta situação, Medeia invocou juramento, implorando os deuses como testemunhas. Medeia volta-se, então, para a sua dor, para o seu sofrimento. A partir daqui, Medeia sente desencadear dentro de si uma confusão de sentimentos, uma mistura de ódio e amor.
Passava os seus dias envolta em dor e em choro, de rosto baixo, olhos baixos, por vezes imóvel. Outras vezes erguia-se a falar de si própria.
Lembrando-se que tinha deixado a sua pátria, a casa, o pai, para seguir Jasão, que agora a traíra, sentia-se injustiçada. A sua dor ensinara-lhe o quanto ganha quem é fiel à sua terra. Começa a afastar os seus filhos bruscamente, como se depositasse também neles o seu ódio por Jasão.
O preceptor velho, mestre dos filhos de Jasão, informa este acerca do sofrimento de Medeia, dizendo-lhe que ainda estaria a começar. Com efeito, Medeia ainda não soubera da última desgraça: iria ser expulsa, juntamente com os seus filhos, de Corinto, a mando do rei.
Como é óbvio, Jasão permiti-lo-ia, porque a aliança recente valia mais do que a aliança do passado. Tentam consciencializar as crianças acerca do seu pai. Medeia, com este sofrimento todo, diz que os filhos deveriam morrer com o pai e a casa afundar-se-á.
Medeia entra em profunda fúria. Antes de sair da cidade, revela a Creonte o que quer fazer: matar a sua filha, bem como os seus próprios filhos, e devastar a casa de Jasão.
Creonte tenta consciencializá-la, dizendo que não vai contra a lei humana de matar, e matar o fruto do próprio ventre.
Um mensageiro anuncia que morreu a mulher de Jasão, bem como o seu pai. Mesmo assim, Medeia quer matar os seus filhos.
Medeia é uma tragédia. A tragédia é uma forma do género dramático, que se caracteriza pela seriedade e dignidade, frequentemente envolvendo um conflito entre uma personagem e algum poder ou instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade. As origens da tragédia são desconhecidas, mas terá nascido certamente na Grécia Antiga.
Aristóteles dizia que o que caracterizava a tragédia grega era o facto de despertar, no público o “terror e a piedade”. Afirma que as partes da tragédia constituem-se de passagens em versos, recitados e contados, e aí actuam as personagens directamente, não havendo relato indirecto. A sua função é provocar, por meio de paixão e do terror, a purificação dos sentimentos.
Segundo Aristóteles, deve ainda obedecer a três condições: possuir personagens de elevada condição (heróis, reis, deuses); dever ser contada em linguagem elevada e digna de ter um final triste, com a destruição ou loucura de um ou vários personagens sacrificados pelo seu orgulho.
Os autores clássicos referem-se à tragédia grega como o mais nobre dos géneros literários. Além dos actores, na tragédia grega intervinha também o coro, que manifestava a voz do bom senso, da harmonia e da moderação em confronto com a exaltação dos protagonistas.
Do ponto de vista temático, a tragédia apresenta um herói que, desafiando propositada ou involuntariamente as leis dos deuses, é por estes castigado.
Os três grandes tragediógrafos da literatura grega são Sófocles, Eurípides e Esquilo.
Em Medeia, encontramos algumas marcas, alguns elementos essenciais, da tragédia grega.
A "hybris" é um desses elementos, que é o sentimento que conduz o herói da tragédia à violação da ordem estabelecida, através de uma acção ou comportamento, que se assume como um desafio aos poderes instituídos (leis dos deuses, leis das cidades, das famílias e da natureza).
Por exemplo, Jasão traiu Medeia, logo, vai contra a lei da família. Medeia abandonou a sua terra, pelo seu amor, logo, vai contra a lei da cidade.
Outro elemento é o "pathos", que é o sofrimento progressivo do protagonista, imposto pelo destino. Nesta tragédia, vemos que Medeia tem um sentimento em progresso.
Medeia era uma mulher carregada de amor e ódio a um só tempo. Era uma esposa repudiada e estrangeira. Assume uma posição de fúria terrível, acabando por matar os seus filhos para que estes não vão com o marido, deste modo vingando-se.

Mariana Cruz

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Entretanto, aqui vos deixo o poema de Ruy Belo a que João Benard da Costa faz referência no seu texto.


ESPLENDOR NA RELVA
Eu sei que deannie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de deannie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em deannie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais
Ruy Belo, Homem de palavras
Para a Marina e para todos.

ESPLENDOR NA RELVA

«Eu sei que Deannie Loomis não existe/ mas entre as mais essa mulher caminha/ e a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste.»
Começa assim o soneto intitulado «Esplendor na Relva», que Ruy Belo inseriu em O Homem de Palavra(s). Deannie Loomis (aliás Wilma Deannie Loomis) é o nome da protagonista interpretada pela fabulosa Natalie Wood. O pretexto (em sentido literal) é o filme de Elia Kazan Splendor in the Grass (1961), com argumento de William Inge.
Hoje, o filme ganhou ressonâncias míticas, associado aos idos de 60 e aos Maios de tal década. Na altura, não as teve e foi mesmo, da América a Portugal, implacavelmente zurzido pela crítica que o achou piegas e cabotino. O público também não ligou peva. Mas para alguns – poucos, e certamente não felizes – foi paixão tão devastadora como a que, no filme, os adolescentes Deannie Loomis e Bud Stamper (Warren Beatty) tiveram um pelo outro. Ruy Belo foi desses. Aliás, não certamente por acaso, foi ele o único poeta que conheço a cantar as duas mulheres mais intensas dos late fifties e dos early sixties: Marilyn Monroe (esse assombroso poema chamado «Na Morte de Marilyn», que vem no Transporte no Tempo e em que nos pede para «em vez de Marilyn dizer mulher») – e Natalie Wood.
Eu sei que Ruy Belo não cantou Natalie Wood mas Deannie Loomis. Mas também sei que Natalie Wood «não existe/ mas entre as mais», etc. E há nesse verso um prodígio de adequação poética. É quando se diz que «a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste». Resiste à «imaginação pura» (no sentido de «pura imaginação») ou resiste, «pura», à imaginação? Ou seja, o adjectivo «pura» refere-se à imaginação ou a Deannie Loomis? Ou – pode ser também – à «linha que resiste»? Nestas três perguntas está o cerne de Deannie Loomis, de Natalie Wood e de Splendor in the Grass. São mulheres e filme da nossa imaginação? São mulheres e filme que resistem à nossa imaginação? Ou são mulheres e filme que resistem a uma linha evolutiva que só na nossa imaginação existe? Não sei, como provavelmente Ruy Belo não saberia, mas, como também ele escreveu (na «explicação preliminar» à 2ª edição do livro): «Ninguém no futuro perdoará não termos sabido ver esse verbo que tão importante era já para os gregos.» E, em Splendor in the Grass, tudo está no ver, que traz a história dos meninos e moços de Kansas – meninos e moços dos anos 20, de antes da Depressão – à dimensão das mais belas histórias de amor e de morte jamais contadas.
Sirvo-me do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No liceu de Natalie Wood, onde ela entrava sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul, a aula de literatura, nesse dia, não era sobre Os Cavaleiros da Távola Redonda mas sobre Wordsworth e a «Ode of Intimation to Immortality». Deannie/ Natalie chegava de vestido «grenat» muito escuro, gola de rendas. Todas as colegas sabiam – e ela também, embora ninguém lho tivesse dito – que Bud/ Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor, tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita, única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais, para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto), Deannie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.
E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: «No, nothing can bring back the hour/ the splendor in the grass, the glory in the flower.» Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta ou – a esse nível – só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o poeta quis dizer.
O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o que o poeta quis dizer é o espantoso traveling que arranca Deannie ao lugar e a põe diante da professora atónita, depois aquele outro em que sai a correr da aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos, sozinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras que «that radiance that was once so bright/ Is now forever taken from my sight». Irradiância que, no filme, foi entre o plano inicial (Deannie e Bud a namorar nas cataratas, e ela com tanto medo de não aguentar mais) e essa sequência, também nas cataratas, em que Bud fez com Juanita o que não fez com ela e de que essas cataratas são a mais poderosa das metáforas.
O «esplendor na relva» é o que vimos até à aula: são os planos em que se deita de bruços na cama (Warren Beatty deita-se da mesma maneira); é o búzio encostado ao ouvido; são os ursos de peluche coexistindo com o retrato dele; é o dia em que entrou no liceu ao lado dele, tão orgulhosa, de blusa amarela e saia branca; é o plano do duche dos rapazes; é a noite de chuva no carro amarelo e Deannie a dizer a Bud que ficará para sempre à espera dele; é uma saia cor-de-rosa que funde em negro; é, sobretudo, a estarrecedora sequência em que Bud diz-lhe que era uma brincadeira. E ela a responder: «Não posso brincar com estas coisas. Eu era capaz de fazer tudo o que me pedisses. Tudo. Juro que era.»
Mas é depois da sequência da aula que o filme atinge o máximo de beleza e tensão, desde o longo período em que Deannie se isola até à crise que a leva ao manicómio. Natalie Wood começa por cortar os cabelos ao espelho (iniciaticamente) e, depois, veste-se de encarnadíssimo («bandolette» encarnada, colar encarnado) para se oferecer a Bud na sequência da festa, para ser recusada por Bud e, depois, correr pelos rails até às cataratas (terceira e última presença delas no filme) e mergulhar nas águas, onde até a morte lhe frustram.
Mas nem Wordsworth nem Kazan terminam no desespero ou nesse desespero. Após os versos que dão título ao filme, Wordsworth diz: «We will grieve not, rather find/ streght in what remains behind.»
Não estou nada certo que seja «força» o que Natalie Wood encontrou na relva da clínica, entre velhas catalépticas e enfermeiras de olhar estranho. Não estou nada certo que seja «força» o que Warren Beatty encontrou na universidade para onde o mandaram, ou na noite de Nova Iorque em que o pai lhe pagou uma «rapariga parecida com Deannie.» Mas «o que ficou para trás», isso, introduz-se a cada plano do lento desmoronar deles, das famílias deles, da América da crise de 29, de um mundo com tais valores.
Elia Kazan disse preferir no filme a sequência em que Deannie regressa à casa paterna, ao que dizem «curada», e conversa com a mãe que lhe diz que tudo o que fez foi para bem dela. Já está noiva do «rapaz de Cincinatti», que conheceu no hospital e Bud já está casado com Angelina, que não tinha entrado na história e até já tem um bebé. Deannie vai visitá-los, com as amigas. Não há uma palavra sobre o passado e há só o passado. Depois do «esplendor na relva», Bud fica com as capoeiras e ela com um companheiro de trevas. «Como numa tragédia grega: sabemos o que vai acontecer e só podemos ver o que acontece.»
Estas palavras são de Kazan. Mas esta tragédia americana não acaba em mortes violentas. Só na morte que cada um de nós traz dentro de nós, feita de tudo «what remains behind». «We will grieve not» e, por isso mesmo, a nossa dor é muito maior. De Deannie Loomis e de Bud Stamper me despeço com outro poema de Ruy Belo: «Mas agora que cantei da tristeza/ não observo já os mais leves traços/ e a minha maneira de me matar/ é deixar cair ambos os braços.» É isto que se chama «intimação à imortalidade»?

João Bénard da Costa, Os Filmes da minha vida, os meus filmes da vida
Para o Leonardo e para todos.

O CARÁCTER DO JOVEM


Depois do que dissemos, vamos tratar dos tipos de carácter, segundo as paixões, os hábitos, as idades e a fortuna. Por paixões entendo a ira, o desejo e outras emoções da mesma natureza de que falámos anteriormente, assim como hábitos, virtudes e vícios. Sobre isto também já falámos antes, e que tipo de coisas cada pessoa prefere e quais as que pratica. As idades são: juventude, maturidade e velhice. Por fortuna entendo origem nobre, riqueza, poder, e seus contrários e, em geral, boa e má sorte.
Em termos de carácter, os jovens são propensos aos desejos passionais e inclinados a fazer o que desejam. E de entre estes desejos há os corporais, sobretudo os que perseguem o amor e face aos quais os jovens são incapazes de dominar-se; mas também são volúveis e rapidamente se fartam dos seus desejos; tão depressa desejam como deixam de desejar (porque os seus caprichos são violentos, mas não são grandes, como a sede e a fome nos doentes). Também são impulsivos, irritadiços e deixam-se arrastar pela ira. Deixam-se dominar pela fogosidade; por causa da sua honra não suportam que os desprezem e ficam indignados se acham que são tratados injustamente. Gostam de honrarias, mas acima de tudo das vitórias (até porque o jovem deseja ser superior e a vitória constitui uma certa superioridade). Estas duas características são neles mais fortes do que o amor ao dinheiro (gostam pouco de dinheiro porque não têm ainda experiência da necessidade, como diz o apotegma de Pítaco em resposta a Anfiarau). Não têm mau, mas bom carácter, porque ainda não viram muitas maldades. São confiantes, porque ainda não foram muitas vezes enganados. Também são optimistas, porque, tal como os bêbedos, também os jovens sentem calor, por efeito natural, e porque ainda não sofreram muitas decepções. A maior parte dos jovens vive da esperança, porque a esperança concerne ao futuro, ao passo que a lembrança diz respeito ao passado; para a juventude, o futuro é longo e o passado curto; na verdade, no começo da vida nada há para recordar, tudo há a esperar. Pelo que acabámos de dizer, os jovens são fáceis de enganar (é que facilmente esperam), e são mais corajosos [do que noutras idades] pois são impulsivos e optimistas: a primeira destas qualidades fá-los ignorar o medo, a segunda inspira-lhes confiança, porque nada se teme quando se está zangado, e o facto de se esperar algo de bom é razão para se ter confiança. Também são envergonhados (não concebem ainda que haja outras coisas belas, pois só foram educados segundo as convenções). Também são magnânimos porque ainda não foram feridos pela vida e são inexperientes na necessidade; além disso, a magnanimidade é característica de quem se considera digno de grandezas; e isto é próprio de quem tem esperança.
Quanto à maneira de actuar, preferem o belo ao conveniente; vivem mais segundo o carácter do que segundo o cálculo, pois o cálculo relaciona-se com o conveniente, a virtude com o belo. Mais do que noutras idades, amam os seus amigos e companheiros, porque gostam de conviver com os outros e nada julgam ainda segundo as suas conveniências, e, portanto, os seus amigos também não. Em tudo pecam por excesso e violência, contrariamente à máxima de Quílon: tudo fazem em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em tudo o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstinados (isto é a causa do seu excesso em tudo). Cometem injustiças por insolência, não por maldade. São compassivos, porque supõem que todos os seres humanos são virtuosos e melhores do que realmente são (pois medem os vizinhos pela bitola da sua própria inocência, de tal sorte que imaginam que estes sofrem coisas imerecidas). Gostam de rir, e por isso também gostam de gracejar; com efeito, o gracejo é uma espécie de insolência bem-educada.

ARISTÓTELES, Retórica
Na segunda-feira, veremos, na íntegra, Splendor in the Grass, de Elia Kazan. Deixo-vos aqui uma passagem do filme. Trata-se de uma passagem muito conhecida, em que Deannie Loomis (Natalie Wood) lê uma passagem do poema "Ode. Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood", de William Wordsworth, poeta do Romatismo inglês.
Segue o poema, cujas propostas de tradução aguardamos para breve, e que, em parte, é dito por Natalie Wood no filme.
536. Ode
Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood

THERE was a time when meadow, grove, and stream,

The earth, and every common sight,

To me did seem

Apparell'd in celestial light,

The glory and the freshness of a dream.

It is not now as it hath been of yore;—

Turn wheresoe'er I may,

By night or day,

The things which I have seen I now can see no more.


The rainbow comes and goes,

And lovely is the rose;

The moon doth with delight

Look round her when the heavens are bare;

Waters on a starry night

Are beautiful and fair;

The sunshine is a glorious birth;

But yet I know, where'er I go,

That there hath pass'd away a glory from the earth.


Now, while the birds thus sing a joyous song,

And while the young lambs bound

As to the tabor's sound,

To me alone there came a thought of grief:

A timely utterance gave that thought relief,

And I again am strong:

The cataracts blow their trumpets from the steep;

No more shall grief of mine the season wrong;

I hear the echoes through the mountains throng,

The winds come to me from the fields of sleep,

And all the earth is gay;

Land and sea

Give themselves up to jollity,

And with the heart of May

Doth every beast keep holiday;—

Thou Child of Joy,

Shout round me, let me hear thy shouts, thou happy

Shepherd-boy!


Ye blessèd creatures, I have heard the call

Ye to each other make; I see

The heavens laugh with you in your jubilee;

My heart is at your festival,

My head hath its coronal,

The fulness of your bliss, I feel—I feel it all.

O evil day! if I were sullen

While Earth herself is adorning,

This sweet May-morning,

And the children are culling

On every side,

In a thousand valleys far and wide,

Fresh flowers; while the sun shines warm,

And the babe leaps up on his mother's arm:—

I hear, I hear, with joy I hear!

—But there's a tree, of many, one,

A single field which I have look'd upon,

Both of them speak of something that is gone:

The pansy at my feet

Doth the same tale repeat:

Whither is fled the visionary gleam?

Where is it now, the glory and the dream?


Our birth is but a sleep and a forgetting:

The Soul that rises with us, our life's Star,

Hath had elsewhere its setting,

And cometh from afar:

Not in entire forgetfulness,

And not in utter nakedness,

But trailing clouds of glory do we come

From God, who is our home:

Heaven lies about us in our infancy!

Shades of the prison-house begin to close

Upon the growing Boy,

But he beholds the light, and whence it flows,

He sees it in his joy;

The Youth, who daily farther from the east

Must travel, still is Nature's priest,

And by the vision splendid

Is on his way attended;

At length the Man perceives it die away,

And fade into the light of common day.


Earth fills her lap with pleasures of her own;

Yearnings she hath in her own natural kind,

And, even with something of a mother's mind,

And no unworthy aim,

The homely nurse doth all she can

To make her foster-child, her Inmate Man,

Forget the glories he hath known,

And that imperial palace whence he came.


Behold the Child among his new-born blisses,

A six years' darling of a pigmy size!

See, where 'mid work of his own hand he lies,

Fretted by sallies of his mother's kisses,

With light upon him from his father's eyes!

See, at his feet, some little plan or chart,

Some fragment from his dream of human life,

Shaped by himself with newly-learnèd art;

A wedding or a festival,

A mourning or a funeral;

And this hath now his heart,

And unto this he frames his song:

Then will he fit his tongue

To dialogues of business, love, or strife;

But it will not be long

Ere this be thrown aside,

And with new joy and pride

The little actor cons another part;

Filling from time to time his 'humorous stage'

With all the Persons, down to palsied Age,

That Life brings with her in her equipage;

As if his whole vocation

Were endless imitation.


Thou, whose exterior semblance doth belie

Thy soul's immensity;

Thou best philosopher, who yet dost keep

Thy heritage, thou eye among the blind,

That, deaf and silent, read'st the eternal deep,

Haunted for ever by the eternal mind,—

Mighty prophet! Seer blest!

On whom those truths do rest,

Which we are toiling all our lives to find,

In darkness lost, the darkness of the grave;

Thou, over whom thy Immortality

Broods like the Day, a master o'er a slave,

A presence which is not to be put by;

To whom the grave

Is but a lonely bed without the sense or sight

Of day or the warm light,

A place of thought where we in waiting lie;

Thou little Child, yet glorious in the might

Of heaven-born freedom on thy being's height,

Why with such earnest pains dost thou provoke

The years to bring the inevitable yoke,

Thus blindly with thy blessedness at strife?

Full soon thy soul shall have her earthly freight,

And custom lie upon thee with a weight,

Heavy as frost, and deep almost as life!


O joy! that in our embers

Is something that doth live,

That nature yet remembers

What was so fugitive!

The thought of our past years in me doth breed

Perpetual benediction: not indeed

For that which is most worthy to be blest—
Delight and liberty, the simple creed

Of childhood, whether busy or at rest,

With new-fledged hope still fluttering in his breast:—

Not for these I raise

The song of thanks and praise;

But for those obstinate questionings

Of sense and outward things,

Fallings from us, vanishings;

Blank misgivings of a Creature

Moving about in worlds not realized,

High instincts before which our mortal Nature

Did tremble like a guilty thing surprised:

But for those first affections,

Those shadowy recollections,

Which, be they what they may,

Are yet the fountain-light of all our day,

Are yet a master-light of all our seeing;

Uphold us, cherish, and have power to make

Our noisy years seem moments in the being

Of the eternal Silence: truths that wake,

To perish never:

Which neither listlessness, nor mad endeavour,

Nor Man nor Boy,

Nor all that is at enmity with joy,

Can utterly abolish or destroy!

Hence in a season of calm weather

Though inland far we be,

Our souls have sight of that immortal sea

Which brought us hither,

Can in a moment travel thither,

And see the children sport upon the shore,

And hear the mighty waters rolling evermore.


Then sing, ye birds, sing, sing a joyous song!

And let the young lambs bound

As to the tabor's sound!

We in thought will join your throng,

Ye that pipe and ye that play,

Ye that through your hearts to-day

Feel the gladness of the May!

What though the radiance which was once so bright

Be now for ever taken from my sight,

Though nothing can bring back the hour

Of splendour in the grass, of glory in the flower;

We will grieve not, rather find

Strength in what remains behind;

In the primal sympathy

Which having been must ever be;

In the soothing thoughts that spring

Out of human suffering;

In the faith that looks through death,

In years that bring the philosophic mind.


And O ye Fountains, Meadows, Hills, and Groves,

Forebode not any severing of our loves!

Yet in my heart of hearts I feel your might;

I only have relinquish'd one delight

To live beneath your more habitual sway.

I love the brooks which down their channels fret,

Even more than when I tripp'd lightly as they;

The innocent brightness of a new-born Day

Is lovely yet;

The clouds that gather round the setting sun

Do take a sober colouring from an eye

That hath kept watch o'er man's mortality;

Another race hath been, and other palms are won.

Thanks to the human heart by which we live,

Thanks to its tenderness, its joys, and fears,

To me the meanest flower that blows can give

Thoughts that do often lie too deep for tears.
William Wordsworth

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sermão de Santo António aos peixes - Capítulo V

O «Sermão de Santo António», do Padre António Vieira, é constituído por seis capítulos. Em todos está presente a parte da retórica clássica da confirmação, nomeadamente através da repreensão dos vícios em geral. No Cap. V as repreensões passam do geral para o particular (roncadores, pegadores, voadores e polvo).

A partir daqui a sigla PAV significa Padre António Vieira.

Caracterização dos Peixes repreendidos por Padre António Vieira

Esta caracterização é feita, referindo os tipos de peixes, os defeitos destes, os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira e exemplos de homens semelhantes ao peixe referido.

Os Roncadores têm como defeitos a soberba e o orgulho. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são os seguintes: estes peixes são pequenos, mas têm muita língua; e são facilmente pescados. Refere ainda que os peixes grandes têm pouca língua e que os Roncadores têm muita arrogância e pouca firmeza. O Padre António Vieira dá ainda exemplos de homens semelhantes aos Roncadores:
Pedro, Golias, Caifás e Pilatos.
Os Pegadores têm como defeito o Parasitismo. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são: os Pegadore vivem na dependência dos (peixes) grandes e morrem com eles; os (peixes) grandes morrem porque comeram, os (peixes) pequenos morrem sem terem comido. O Padre António Vieira dá ainda exemplos de homens semelhantes aos Pegadores: toda a família da corte de Herodes, Adão e Eva.
Os Voadores são presunçosos e ambiciosos. São estes os seus defeitos. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são que estes foram criados peixes e não aves, são pescados como peixes e caçados como aves e morrem queimados. O exemplo dado pelo Padre António Vieira é Simão Mago.
O Polvo é traidor, enganador. É este o seu maior defeito. Este ataca sempre através de emboscada, sendo este o argumento utilizado pelo orador. O Padre António Vieira dá o exemplo de Judas, como sendo aquele que melhor se adapta ao Polvo.

Comparação entre os peixes e Santo António

O Padre António Vieira compara os peixes referidos acima com Santo António.
Os Roncadores são soberbos e orgulhosos, facilmente pescados, enquanto que Santo António, tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre.
Os Pegadores são parasitas, aduladores, pescados com os grandes, enquanto que Santo António pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal.
Os Voadores são ambiciosos e presunçosos. Santo António tinha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural. Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência, mas tornou-se sábio para sempre.
O Polvo é traidor, e Santo António foi o maior exemplo da candura, da sinceridade e verdade, onde nunca houve mentira.

Episódio do Polvo


A expressão "aparência tão modesta" (l. 208) traduz a aparente simplicidade e inocência do polvo, que encobre uma outra realidade (terrível realidade). O orador usa, neste caso, a ironia. A expressão "hipocrisia tão santa" (l. 209) contém em si um paradoxo: a hipocrisia nunca é santa. De novo, o orador usa uma ironia: o polvo apresenta um ar de santo, mas encobre uma cruel realidade. Tem uma máscara, é hipócrita, finge ser inofensivo.

O mimetismo é o que o polvo usa para enganar: faz-se da cor do local ou dos objectos onde se instala.

No camaleão, o mimetismo é usado em sua defesa contra os agressores. No polvo, este é um artifício para atacar os peixes desacautelados ou mais fracos.

O orador refere a lenda de Proteu para contrapor o mito à realidade: Proteu metamorfoseava-se para se defender de quem o perseguia; o polvo, ao contrário, usa a metamorfose para atacar e não para se defender.

Os verbos que se referem ao polvo estão no presente do indicativo, traduzindo uma realidade permanente e imutável; a forma "vai passando", no gerúndio, acentua a forma despreocupada dos outros peixes que lentamente passam pelo local onde se encontra o traidor; os verbos que se referem a Judas estão no pretérito perfeito do indicativo porque referem acções do passado. Há ainda o imperativo "Vê", que traduz uma interpelação directa ao polvo, tornando o discurso mais vivo.

O polvo nunca ataca frontalmente, mas sempre à traição: primeiro, engana, camuflando-se, ou seja, serve-se das cores dos sítios onde se encontra; depois, ataca os inocentes.

O texto deste capítulo segue a variedade de ritmos dos outros capítulos e apresenta os mesmos recursos para conseguir tal objectivo. Basta atentar no parágrafo que começa por "Rodeia a nau o tubarão… " e no texto referente ao polvo.

Um elemento comum entre Judas e o polvo é a traição. Ambos foram vítimas deste defeito.

Os elementos diferentes entre Judas e o polvo são os seguintes:
- Judas apenas abraçou Cristo, outros o prenderam; o polvo abraça e prende.
- Judas atraiçoou Cristo à luz das lanternas; o polvo escurece-se, roubando a luz para que os outros peixes não vejam as suas cores. Podemos então verificar que a traição de Judas é de grau inferior à do polvo.


André Castilho

sábado, 15 de novembro de 2008

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O Capítulo VI do «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Vieira

O «Sermão de Santo António» foi proferido na cidade de S. Luís do Maranhão em 1654, na sequência de uma disputa entre os colonos portugueses no Brasil.
O Sermão constitui um documento de notável imaginação, de hábil oratória e de sátira, por parte do Padre António Vieira que considera os peixes como símbolos dos vícios daqueles colonos.
O Sermão é constituído por seis capítulos, em que se pode encontrar uma correlação entre as quatro partes da retórica clássica: o exórdio, referente ao capítulo I; a exposição, nos capítulos II e III; a confirmação, presente nos capítulos IV e V; e, por fim, a peroração, que corresponde à conclusão, pertencente ao capítulo VI.
Todo o Sermão, escrito por Padre António Vieira, constitui uma alegoria – figura que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades, isto é, temas abstractos, por termos que designam realidades físicas ou animadas, concretas, através de uma sequência organizada de metáforas, de modo que os elementos do plano das ideias e o plano figurado se correspondam – na medida em que os peixes são a personificação dos homens.
No capítulo VI deparamo-nos com a conclusão desta obra, sendo referido que os animais terrestres e as aves são sacrificados pelo sangue, pela vida, enquanto que os peixes são sacrificados pelo respeito e pela reverência, isto é, os restantes animais, à excepção dos peixes, vão, normalmente, vivos para o sacrifício, o que não acontece com os peixes, que morrem e, pelo que o Padre António Vieira afirma, “cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem chegue aos seus Altares.”
Tendo em conta que são os últimos parágrafos aqueles que mais captam a atenção do leitor, o orador tem como intenção "mover" o seu auditório. E é perante isto que o Padre António Vieira salienta dois pontos. Ele refere que os peixes estão acima dos outros animais, na medida em que o Levítico os exclui como objecto de sacrifício. Este facto é tido como positivo pelo orador, pois são os únicos animais a quem isto sucede. Relativamente ao homem, este também chega ao altar morto, mas, por sua vez, em pecado mortal, devido a todas as más acções praticadas durante a vida terrena. Neste contexto, Deus “não o quer”, pretendendo apenas que o homem siga o exemplo dos peixes e mantenha respeito e obediência à Suma Verdade. No segundo ponto, o Padre António Vieira refere que os peixes estão acima do pregador e que este demonstra um certo grau de inveja porque fala de si próprio como um pecador, tentando impressionar, deste modo, os ouvintes, tal como podemos observar a meio do capítulo VI, quando ele afirma: “Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade.”
Todas estas repetições, proferidas pelo pregador, realçam o paralelismo – relação da construção da frase ou verso - entre o orador e os peixes, e as gradações – enumerações de elementos numa sequência determinada por uma ordem ascendente, crescente, em termos de intensificação do sentido.
Aproximando-se do final, o pregador torna-se mais exortativo e dinâmico, uma vez que a linguagem utilizada tem um tom imperativo, reiterando-se no louvor que se faz sentir uma gradação de tom, que indica o fim do Sermão.
Antes de finalizar, solicita aos peixes que louvem Deus por uma infinidade de acções, destacando-se: a sua criação em grande número; a distinção das outras espécies; a sua multiplicidade; a base de sustento ao homem, entre outras.
Acresce referir que o Sermão termina com o hino «Benedicite», dito num tom festivo, celebrando a festa de S. António.
Também está representada a presença de um recurso expressivo, que é o quiasmo - figura que consiste na disposição de quatro elementos, agrupados dois a dois por paralelismo, segundo o esquema da letra X, isto é, a segunda parte da construção contém os mesmos elementos, ou elementos paralelos da primeira, mas inverte-se a ordem de sucessão – que se traduz na expressão “como não sois capazes de Gloria, nem Graça não acaba o vosso Sermão em Graça, e Glória”.

Inês Santos

domingo, 2 de novembro de 2008

Sermão de Santo António aos peixes
Capitulo IV

Nesta parte do Sermão, o Padre António Vieira usa o mesmo método que utilizou nos capítulos anteriores quando fez os louvores aos peixes.
Continuando a evidenciar uma grande ironia, o pregador finge falar aos peixes, quando, na verdade, se dirige às pessoas que o ouvem.
Neste capítulo faz a repreensão aos peixes, repreendendo os seus vícios em geral.
1ª Repreensão: “Os peixes comem-se uns aos outros”
Para comprovar a tese de que os homens se “comem” uns aos outros, o orador recorre a exemplos concretos, do conhecimento dos ouvintes.
Ao longo do Sermão, o Padre António Vieira vai desenvolvendo a sua tese, referindo que os peixes se comem uns aos outros: os maiores comem os mais pequenos, à semelhança dos homens que se devoram uns aos outros, movidos pela cobiça e pelo oportunismo.
O verbo “comer” é aqui utilizado num sentido muito negativo, significando vigarizar, aproveitar-se, roubar os mais fracos.
“… A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os mais pequenos.”
(…) “Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um… devoram e engolem os povos inteiros.”
Recorrendo a outro exemplo concreto, o autor refere que, tal como o pão é “comer de todos os dias”, os pequenos “são o pão quotidiano dos grandes”, ou seja, são continuadamente explorados pelos mais fortes.
Seguidamente, o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite particular. O bem comum é a harmonia geral. O bem particular é o interesse individual de cada peixe. Fingindo dirigir-se aos peixes e, referindo-se aos ouvintes diz-lhes “… não vedes que contra vós se emalham e entralham as redes… contra vós se dobram e farpam os anzóis…”
Os peixes são perseguidos dia e noite por inimigos exteriores, os pescadores. Devem, pois, evitar as lutas internas que os destruirão. Se os peixes são uma família, devem proceder como irmãos, como lhes pregou Santo António. Por isso diz-lhes: “ … importa que daqui em diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um …”
Dando o exemplo dos peixes que caem facilmente no engodo dos pescadores, o orador passa seguidamente para a situação dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. É evidente que o seu objectivo é criticar fortemente a exploração dos índios por parte dos colonos.
2ª Repreensão: “A ignorância e a cegueira dos peixes”
Através desta alegoria, Vieira repreende a vaidade dos homens, que, tal como os peixes, se deixam “cegar” por um simples pedaço de pano, trabalhando toda a vida para poderem pagar o farrapo com que saem à rua. “… Vem o mestre de navio de Portugal com… quatro panos e quatro cedas… e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra.”
Mais adiante acrescenta: “Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça ou na cana, … e este trabalho de toda a vida, quem o leva?... no triste farrapo com que saem à rua. E para isso se matam todo o ano.”
Conclui que, ao contrário dos peixes cegos e ignorantes, que se deixam enganar por qualquer isco, o exemplo de Santo António, que nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, é aquele que deve ser seguido, pois “…trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda. Com aquela corda e com aquele pano pescou ele muitos…” Fazendo-se pobre e simples, conseguiu salvar muitos, ou seja, levou-os a terem uma vida digna e despojada de riqueza e ostentação.
A principal finalidade desta parte do sermão é convencer os ouvintes a evitar os defeitos destacados. Vieira faz, assim, um apelo à união de todos os indígenas contra a acção dos brancos que os escravizam.

João Filipe