quinta-feira, 27 de novembro de 2008
domingo, 23 de novembro de 2008
Uma leitura de Medeia, de Eurípides
O livro que li foi a recriação poética da tragédia de Eurípides, Medeia, de Sophia de Mello Breyner. Sophia de Mello Breyner já tinha feito outras recriações de obras gregas, como, por exemplo, da Odisseia, de Homero.
Toda a acção decorre em Corinto, onde o rei é Creonte. Medeia era casada com Jasão e, juntos, tiveram filhos. A Ama chamava a Jasão, o “Tosão de Oiro”. Medeia era cega e possuída pelo amor de Jasão. Ela procurou sempre que todos a amassem e tentara sempre a concordância de Jasão. A Ama dizia que só existe paz quando uma mulher se submete.
Mesmo assim, Medeia foi magoada. Jasão traíra-a, a ela e aos filhos. Traiu-a com a filha de Creonte, rei do país. Perante esta situação, Medeia invocou juramento, implorando os deuses como testemunhas. Medeia volta-se, então, para a sua dor, para o seu sofrimento. A partir daqui, Medeia sente desencadear dentro de si uma confusão de sentimentos, uma mistura de ódio e amor.
Passava os seus dias envolta em dor e em choro, de rosto baixo, olhos baixos, por vezes imóvel. Outras vezes erguia-se a falar de si própria.
Lembrando-se que tinha deixado a sua pátria, a casa, o pai, para seguir Jasão, que agora a traíra, sentia-se injustiçada. A sua dor ensinara-lhe o quanto ganha quem é fiel à sua terra. Começa a afastar os seus filhos bruscamente, como se depositasse também neles o seu ódio por Jasão.
O preceptor velho, mestre dos filhos de Jasão, informa este acerca do sofrimento de Medeia, dizendo-lhe que ainda estaria a começar. Com efeito, Medeia ainda não soubera da última desgraça: iria ser expulsa, juntamente com os seus filhos, de Corinto, a mando do rei.
Como é óbvio, Jasão permiti-lo-ia, porque a aliança recente valia mais do que a aliança do passado. Tentam consciencializar as crianças acerca do seu pai. Medeia, com este sofrimento todo, diz que os filhos deveriam morrer com o pai e a casa afundar-se-á.
Medeia entra em profunda fúria. Antes de sair da cidade, revela a Creonte o que quer fazer: matar a sua filha, bem como os seus próprios filhos, e devastar a casa de Jasão.
Creonte tenta consciencializá-la, dizendo que não vai contra a lei humana de matar, e matar o fruto do próprio ventre.
Um mensageiro anuncia que morreu a mulher de Jasão, bem como o seu pai. Mesmo assim, Medeia quer matar os seus filhos.
Medeia é uma tragédia. A tragédia é uma forma do género dramático, que se caracteriza pela seriedade e dignidade, frequentemente envolvendo um conflito entre uma personagem e algum poder ou instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade. As origens da tragédia são desconhecidas, mas terá nascido certamente na Grécia Antiga.
Aristóteles dizia que o que caracterizava a tragédia grega era o facto de despertar, no público o “terror e a piedade”. Afirma que as partes da tragédia constituem-se de passagens em versos, recitados e contados, e aí actuam as personagens directamente, não havendo relato indirecto. A sua função é provocar, por meio de paixão e do terror, a purificação dos sentimentos.
Segundo Aristóteles, deve ainda obedecer a três condições: possuir personagens de elevada condição (heróis, reis, deuses); dever ser contada em linguagem elevada e digna de ter um final triste, com a destruição ou loucura de um ou vários personagens sacrificados pelo seu orgulho.
Os autores clássicos referem-se à tragédia grega como o mais nobre dos géneros literários. Além dos actores, na tragédia grega intervinha também o coro, que manifestava a voz do bom senso, da harmonia e da moderação em confronto com a exaltação dos protagonistas.
Do ponto de vista temático, a tragédia apresenta um herói que, desafiando propositada ou involuntariamente as leis dos deuses, é por estes castigado.
Os três grandes tragediógrafos da literatura grega são Sófocles, Eurípides e Esquilo.
Em Medeia, encontramos algumas marcas, alguns elementos essenciais, da tragédia grega.
A "hybris" é um desses elementos, que é o sentimento que conduz o herói da tragédia à violação da ordem estabelecida, através de uma acção ou comportamento, que se assume como um desafio aos poderes instituídos (leis dos deuses, leis das cidades, das famílias e da natureza).
Por exemplo, Jasão traiu Medeia, logo, vai contra a lei da família. Medeia abandonou a sua terra, pelo seu amor, logo, vai contra a lei da cidade.
Outro elemento é o "pathos", que é o sofrimento progressivo do protagonista, imposto pelo destino. Nesta tragédia, vemos que Medeia tem um sentimento em progresso.
Medeia era uma mulher carregada de amor e ódio a um só tempo. Era uma esposa repudiada e estrangeira. Assume uma posição de fúria terrível, acabando por matar os seus filhos para que estes não vão com o marido, deste modo vingando-se.
Mariana Cruz
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Entretanto, aqui vos deixo o poema de Ruy Belo a que João Benard da Costa faz referência no seu texto.
ESPLENDOR NA RELVA
Eu sei que deannie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de deannie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em deannie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais
Ruy Belo, Homem de palavras
Para a Marina e para todos.
ESPLENDOR NA RELVA
«Eu sei que Deannie Loomis não existe/ mas entre as mais essa mulher caminha/ e a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste.»
Começa assim o soneto intitulado «Esplendor na Relva», que Ruy Belo inseriu em O Homem de Palavra(s). Deannie Loomis (aliás Wilma Deannie Loomis) é o nome da protagonista interpretada pela fabulosa Natalie Wood. O pretexto (em sentido literal) é o filme de Elia Kazan Splendor in the Grass (1961), com argumento de William Inge.
Hoje, o filme ganhou ressonâncias míticas, associado aos idos de 60 e aos Maios de tal década. Na altura, não as teve e foi mesmo, da América a Portugal, implacavelmente zurzido pela crítica que o achou piegas e cabotino. O público também não ligou peva. Mas para alguns – poucos, e certamente não felizes – foi paixão tão devastadora como a que, no filme, os adolescentes Deannie Loomis e Bud Stamper (Warren Beatty) tiveram um pelo outro. Ruy Belo foi desses. Aliás, não certamente por acaso, foi ele o único poeta que conheço a cantar as duas mulheres mais intensas dos late fifties e dos early sixties: Marilyn Monroe (esse assombroso poema chamado «Na Morte de Marilyn», que vem no Transporte no Tempo e em que nos pede para «em vez de Marilyn dizer mulher») – e Natalie Wood.
Eu sei que Ruy Belo não cantou Natalie Wood mas Deannie Loomis. Mas também sei que Natalie Wood «não existe/ mas entre as mais», etc. E há nesse verso um prodígio de adequação poética. É quando se diz que «a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste». Resiste à «imaginação pura» (no sentido de «pura imaginação») ou resiste, «pura», à imaginação? Ou seja, o adjectivo «pura» refere-se à imaginação ou a Deannie Loomis? Ou – pode ser também – à «linha que resiste»? Nestas três perguntas está o cerne de Deannie Loomis, de Natalie Wood e de Splendor in the Grass. São mulheres e filme da nossa imaginação? São mulheres e filme que resistem à nossa imaginação? Ou são mulheres e filme que resistem a uma linha evolutiva que só na nossa imaginação existe? Não sei, como provavelmente Ruy Belo não saberia, mas, como também ele escreveu (na «explicação preliminar» à 2ª edição do livro): «Ninguém no futuro perdoará não termos sabido ver esse verbo que tão importante era já para os gregos.» E, em Splendor in the Grass, tudo está no ver, que traz a história dos meninos e moços de Kansas – meninos e moços dos anos 20, de antes da Depressão – à dimensão das mais belas histórias de amor e de morte jamais contadas.
Sirvo-me do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No liceu de Natalie Wood, onde ela entrava sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul, a aula de literatura, nesse dia, não era sobre Os Cavaleiros da Távola Redonda mas sobre Wordsworth e a «Ode of Intimation to Immortality». Deannie/ Natalie chegava de vestido «grenat» muito escuro, gola de rendas. Todas as colegas sabiam – e ela também, embora ninguém lho tivesse dito – que Bud/ Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor, tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita, única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais, para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto), Deannie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.
E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: «No, nothing can bring back the hour/ the splendor in the grass, the glory in the flower.» Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta ou – a esse nível – só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o poeta quis dizer.
O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o que o poeta quis dizer é o espantoso traveling que arranca Deannie ao lugar e a põe diante da professora atónita, depois aquele outro em que sai a correr da aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos, sozinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras que «that radiance that was once so bright/ Is now forever taken from my sight». Irradiância que, no filme, foi entre o plano inicial (Deannie e Bud a namorar nas cataratas, e ela com tanto medo de não aguentar mais) e essa sequência, também nas cataratas, em que Bud fez com Juanita o que não fez com ela e de que essas cataratas são a mais poderosa das metáforas.
O «esplendor na relva» é o que vimos até à aula: são os planos em que se deita de bruços na cama (Warren Beatty deita-se da mesma maneira); é o búzio encostado ao ouvido; são os ursos de peluche coexistindo com o retrato dele; é o dia em que entrou no liceu ao lado dele, tão orgulhosa, de blusa amarela e saia branca; é o plano do duche dos rapazes; é a noite de chuva no carro amarelo e Deannie a dizer a Bud que ficará para sempre à espera dele; é uma saia cor-de-rosa que funde em negro; é, sobretudo, a estarrecedora sequência em que Bud diz-lhe que era uma brincadeira. E ela a responder: «Não posso brincar com estas coisas. Eu era capaz de fazer tudo o que me pedisses. Tudo. Juro que era.»
Mas é depois da sequência da aula que o filme atinge o máximo de beleza e tensão, desde o longo período em que Deannie se isola até à crise que a leva ao manicómio. Natalie Wood começa por cortar os cabelos ao espelho (iniciaticamente) e, depois, veste-se de encarnadíssimo («bandolette» encarnada, colar encarnado) para se oferecer a Bud na sequência da festa, para ser recusada por Bud e, depois, correr pelos rails até às cataratas (terceira e última presença delas no filme) e mergulhar nas águas, onde até a morte lhe frustram.
Mas nem Wordsworth nem Kazan terminam no desespero ou nesse desespero. Após os versos que dão título ao filme, Wordsworth diz: «We will grieve not, rather find/ streght in what remains behind.»
Não estou nada certo que seja «força» o que Natalie Wood encontrou na relva da clínica, entre velhas catalépticas e enfermeiras de olhar estranho. Não estou nada certo que seja «força» o que Warren Beatty encontrou na universidade para onde o mandaram, ou na noite de Nova Iorque em que o pai lhe pagou uma «rapariga parecida com Deannie.» Mas «o que ficou para trás», isso, introduz-se a cada plano do lento desmoronar deles, das famílias deles, da América da crise de 29, de um mundo com tais valores.
Elia Kazan disse preferir no filme a sequência em que Deannie regressa à casa paterna, ao que dizem «curada», e conversa com a mãe que lhe diz que tudo o que fez foi para bem dela. Já está noiva do «rapaz de Cincinatti», que conheceu no hospital e Bud já está casado com Angelina, que não tinha entrado na história e até já tem um bebé. Deannie vai visitá-los, com as amigas. Não há uma palavra sobre o passado e há só o passado. Depois do «esplendor na relva», Bud fica com as capoeiras e ela com um companheiro de trevas. «Como numa tragédia grega: sabemos o que vai acontecer e só podemos ver o que acontece.»
Estas palavras são de Kazan. Mas esta tragédia americana não acaba em mortes violentas. Só na morte que cada um de nós traz dentro de nós, feita de tudo «what remains behind». «We will grieve not» e, por isso mesmo, a nossa dor é muito maior. De Deannie Loomis e de Bud Stamper me despeço com outro poema de Ruy Belo: «Mas agora que cantei da tristeza/ não observo já os mais leves traços/ e a minha maneira de me matar/ é deixar cair ambos os braços.» É isto que se chama «intimação à imortalidade»?
Começa assim o soneto intitulado «Esplendor na Relva», que Ruy Belo inseriu em O Homem de Palavra(s). Deannie Loomis (aliás Wilma Deannie Loomis) é o nome da protagonista interpretada pela fabulosa Natalie Wood. O pretexto (em sentido literal) é o filme de Elia Kazan Splendor in the Grass (1961), com argumento de William Inge.
Hoje, o filme ganhou ressonâncias míticas, associado aos idos de 60 e aos Maios de tal década. Na altura, não as teve e foi mesmo, da América a Portugal, implacavelmente zurzido pela crítica que o achou piegas e cabotino. O público também não ligou peva. Mas para alguns – poucos, e certamente não felizes – foi paixão tão devastadora como a que, no filme, os adolescentes Deannie Loomis e Bud Stamper (Warren Beatty) tiveram um pelo outro. Ruy Belo foi desses. Aliás, não certamente por acaso, foi ele o único poeta que conheço a cantar as duas mulheres mais intensas dos late fifties e dos early sixties: Marilyn Monroe (esse assombroso poema chamado «Na Morte de Marilyn», que vem no Transporte no Tempo e em que nos pede para «em vez de Marilyn dizer mulher») – e Natalie Wood.
Eu sei que Ruy Belo não cantou Natalie Wood mas Deannie Loomis. Mas também sei que Natalie Wood «não existe/ mas entre as mais», etc. E há nesse verso um prodígio de adequação poética. É quando se diz que «a sua evolução segue uma linha/ que à imaginação pura resiste». Resiste à «imaginação pura» (no sentido de «pura imaginação») ou resiste, «pura», à imaginação? Ou seja, o adjectivo «pura» refere-se à imaginação ou a Deannie Loomis? Ou – pode ser também – à «linha que resiste»? Nestas três perguntas está o cerne de Deannie Loomis, de Natalie Wood e de Splendor in the Grass. São mulheres e filme da nossa imaginação? São mulheres e filme que resistem à nossa imaginação? Ou são mulheres e filme que resistem a uma linha evolutiva que só na nossa imaginação existe? Não sei, como provavelmente Ruy Belo não saberia, mas, como também ele escreveu (na «explicação preliminar» à 2ª edição do livro): «Ninguém no futuro perdoará não termos sabido ver esse verbo que tão importante era já para os gregos.» E, em Splendor in the Grass, tudo está no ver, que traz a história dos meninos e moços de Kansas – meninos e moços dos anos 20, de antes da Depressão – à dimensão das mais belas histórias de amor e de morte jamais contadas.
Sirvo-me do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No liceu de Natalie Wood, onde ela entrava sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul, a aula de literatura, nesse dia, não era sobre Os Cavaleiros da Távola Redonda mas sobre Wordsworth e a «Ode of Intimation to Immortality». Deannie/ Natalie chegava de vestido «grenat» muito escuro, gola de rendas. Todas as colegas sabiam – e ela também, embora ninguém lho tivesse dito – que Bud/ Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor, tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita, única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais, para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto), Deannie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.
E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: «No, nothing can bring back the hour/ the splendor in the grass, the glory in the flower.» Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta ou – a esse nível – só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o poeta quis dizer.
O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o que o poeta quis dizer é o espantoso traveling que arranca Deannie ao lugar e a põe diante da professora atónita, depois aquele outro em que sai a correr da aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos, sozinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras que «that radiance that was once so bright/ Is now forever taken from my sight». Irradiância que, no filme, foi entre o plano inicial (Deannie e Bud a namorar nas cataratas, e ela com tanto medo de não aguentar mais) e essa sequência, também nas cataratas, em que Bud fez com Juanita o que não fez com ela e de que essas cataratas são a mais poderosa das metáforas.
O «esplendor na relva» é o que vimos até à aula: são os planos em que se deita de bruços na cama (Warren Beatty deita-se da mesma maneira); é o búzio encostado ao ouvido; são os ursos de peluche coexistindo com o retrato dele; é o dia em que entrou no liceu ao lado dele, tão orgulhosa, de blusa amarela e saia branca; é o plano do duche dos rapazes; é a noite de chuva no carro amarelo e Deannie a dizer a Bud que ficará para sempre à espera dele; é uma saia cor-de-rosa que funde em negro; é, sobretudo, a estarrecedora sequência em que Bud diz-lhe que era uma brincadeira. E ela a responder: «Não posso brincar com estas coisas. Eu era capaz de fazer tudo o que me pedisses. Tudo. Juro que era.»
Mas é depois da sequência da aula que o filme atinge o máximo de beleza e tensão, desde o longo período em que Deannie se isola até à crise que a leva ao manicómio. Natalie Wood começa por cortar os cabelos ao espelho (iniciaticamente) e, depois, veste-se de encarnadíssimo («bandolette» encarnada, colar encarnado) para se oferecer a Bud na sequência da festa, para ser recusada por Bud e, depois, correr pelos rails até às cataratas (terceira e última presença delas no filme) e mergulhar nas águas, onde até a morte lhe frustram.
Mas nem Wordsworth nem Kazan terminam no desespero ou nesse desespero. Após os versos que dão título ao filme, Wordsworth diz: «We will grieve not, rather find/ streght in what remains behind.»
Não estou nada certo que seja «força» o que Natalie Wood encontrou na relva da clínica, entre velhas catalépticas e enfermeiras de olhar estranho. Não estou nada certo que seja «força» o que Warren Beatty encontrou na universidade para onde o mandaram, ou na noite de Nova Iorque em que o pai lhe pagou uma «rapariga parecida com Deannie.» Mas «o que ficou para trás», isso, introduz-se a cada plano do lento desmoronar deles, das famílias deles, da América da crise de 29, de um mundo com tais valores.
Elia Kazan disse preferir no filme a sequência em que Deannie regressa à casa paterna, ao que dizem «curada», e conversa com a mãe que lhe diz que tudo o que fez foi para bem dela. Já está noiva do «rapaz de Cincinatti», que conheceu no hospital e Bud já está casado com Angelina, que não tinha entrado na história e até já tem um bebé. Deannie vai visitá-los, com as amigas. Não há uma palavra sobre o passado e há só o passado. Depois do «esplendor na relva», Bud fica com as capoeiras e ela com um companheiro de trevas. «Como numa tragédia grega: sabemos o que vai acontecer e só podemos ver o que acontece.»
Estas palavras são de Kazan. Mas esta tragédia americana não acaba em mortes violentas. Só na morte que cada um de nós traz dentro de nós, feita de tudo «what remains behind». «We will grieve not» e, por isso mesmo, a nossa dor é muito maior. De Deannie Loomis e de Bud Stamper me despeço com outro poema de Ruy Belo: «Mas agora que cantei da tristeza/ não observo já os mais leves traços/ e a minha maneira de me matar/ é deixar cair ambos os braços.» É isto que se chama «intimação à imortalidade»?
João Bénard da Costa, Os Filmes da minha vida, os meus filmes da vida
Para o Leonardo e para todos.
O CARÁCTER DO JOVEM
Depois do que dissemos, vamos tratar dos tipos de carácter, segundo as paixões, os hábitos, as idades e a fortuna. Por paixões entendo a ira, o desejo e outras emoções da mesma natureza de que falámos anteriormente, assim como hábitos, virtudes e vícios. Sobre isto também já falámos antes, e que tipo de coisas cada pessoa prefere e quais as que pratica. As idades são: juventude, maturidade e velhice. Por fortuna entendo origem nobre, riqueza, poder, e seus contrários e, em geral, boa e má sorte.
Em termos de carácter, os jovens são propensos aos desejos passionais e inclinados a fazer o que desejam. E de entre estes desejos há os corporais, sobretudo os que perseguem o amor e face aos quais os jovens são incapazes de dominar-se; mas também são volúveis e rapidamente se fartam dos seus desejos; tão depressa desejam como deixam de desejar (porque os seus caprichos são violentos, mas não são grandes, como a sede e a fome nos doentes). Também são impulsivos, irritadiços e deixam-se arrastar pela ira. Deixam-se dominar pela fogosidade; por causa da sua honra não suportam que os desprezem e ficam indignados se acham que são tratados injustamente. Gostam de honrarias, mas acima de tudo das vitórias (até porque o jovem deseja ser superior e a vitória constitui uma certa superioridade). Estas duas características são neles mais fortes do que o amor ao dinheiro (gostam pouco de dinheiro porque não têm ainda experiência da necessidade, como diz o apotegma de Pítaco em resposta a Anfiarau). Não têm mau, mas bom carácter, porque ainda não viram muitas maldades. São confiantes, porque ainda não foram muitas vezes enganados. Também são optimistas, porque, tal como os bêbedos, também os jovens sentem calor, por efeito natural, e porque ainda não sofreram muitas decepções. A maior parte dos jovens vive da esperança, porque a esperança concerne ao futuro, ao passo que a lembrança diz respeito ao passado; para a juventude, o futuro é longo e o passado curto; na verdade, no começo da vida nada há para recordar, tudo há a esperar. Pelo que acabámos de dizer, os jovens são fáceis de enganar (é que facilmente esperam), e são mais corajosos [do que noutras idades] pois são impulsivos e optimistas: a primeira destas qualidades fá-los ignorar o medo, a segunda inspira-lhes confiança, porque nada se teme quando se está zangado, e o facto de se esperar algo de bom é razão para se ter confiança. Também são envergonhados (não concebem ainda que haja outras coisas belas, pois só foram educados segundo as convenções). Também são magnânimos porque ainda não foram feridos pela vida e são inexperientes na necessidade; além disso, a magnanimidade é característica de quem se considera digno de grandezas; e isto é próprio de quem tem esperança.
Quanto à maneira de actuar, preferem o belo ao conveniente; vivem mais segundo o carácter do que segundo o cálculo, pois o cálculo relaciona-se com o conveniente, a virtude com o belo. Mais do que noutras idades, amam os seus amigos e companheiros, porque gostam de conviver com os outros e nada julgam ainda segundo as suas conveniências, e, portanto, os seus amigos também não. Em tudo pecam por excesso e violência, contrariamente à máxima de Quílon: tudo fazem em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em tudo o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstinados (isto é a causa do seu excesso em tudo). Cometem injustiças por insolência, não por maldade. São compassivos, porque supõem que todos os seres humanos são virtuosos e melhores do que realmente são (pois medem os vizinhos pela bitola da sua própria inocência, de tal sorte que imaginam que estes sofrem coisas imerecidas). Gostam de rir, e por isso também gostam de gracejar; com efeito, o gracejo é uma espécie de insolência bem-educada.
Em termos de carácter, os jovens são propensos aos desejos passionais e inclinados a fazer o que desejam. E de entre estes desejos há os corporais, sobretudo os que perseguem o amor e face aos quais os jovens são incapazes de dominar-se; mas também são volúveis e rapidamente se fartam dos seus desejos; tão depressa desejam como deixam de desejar (porque os seus caprichos são violentos, mas não são grandes, como a sede e a fome nos doentes). Também são impulsivos, irritadiços e deixam-se arrastar pela ira. Deixam-se dominar pela fogosidade; por causa da sua honra não suportam que os desprezem e ficam indignados se acham que são tratados injustamente. Gostam de honrarias, mas acima de tudo das vitórias (até porque o jovem deseja ser superior e a vitória constitui uma certa superioridade). Estas duas características são neles mais fortes do que o amor ao dinheiro (gostam pouco de dinheiro porque não têm ainda experiência da necessidade, como diz o apotegma de Pítaco em resposta a Anfiarau). Não têm mau, mas bom carácter, porque ainda não viram muitas maldades. São confiantes, porque ainda não foram muitas vezes enganados. Também são optimistas, porque, tal como os bêbedos, também os jovens sentem calor, por efeito natural, e porque ainda não sofreram muitas decepções. A maior parte dos jovens vive da esperança, porque a esperança concerne ao futuro, ao passo que a lembrança diz respeito ao passado; para a juventude, o futuro é longo e o passado curto; na verdade, no começo da vida nada há para recordar, tudo há a esperar. Pelo que acabámos de dizer, os jovens são fáceis de enganar (é que facilmente esperam), e são mais corajosos [do que noutras idades] pois são impulsivos e optimistas: a primeira destas qualidades fá-los ignorar o medo, a segunda inspira-lhes confiança, porque nada se teme quando se está zangado, e o facto de se esperar algo de bom é razão para se ter confiança. Também são envergonhados (não concebem ainda que haja outras coisas belas, pois só foram educados segundo as convenções). Também são magnânimos porque ainda não foram feridos pela vida e são inexperientes na necessidade; além disso, a magnanimidade é característica de quem se considera digno de grandezas; e isto é próprio de quem tem esperança.
Quanto à maneira de actuar, preferem o belo ao conveniente; vivem mais segundo o carácter do que segundo o cálculo, pois o cálculo relaciona-se com o conveniente, a virtude com o belo. Mais do que noutras idades, amam os seus amigos e companheiros, porque gostam de conviver com os outros e nada julgam ainda segundo as suas conveniências, e, portanto, os seus amigos também não. Em tudo pecam por excesso e violência, contrariamente à máxima de Quílon: tudo fazem em excesso; amam em excesso, odeiam em excesso e em tudo o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstinados (isto é a causa do seu excesso em tudo). Cometem injustiças por insolência, não por maldade. São compassivos, porque supõem que todos os seres humanos são virtuosos e melhores do que realmente são (pois medem os vizinhos pela bitola da sua própria inocência, de tal sorte que imaginam que estes sofrem coisas imerecidas). Gostam de rir, e por isso também gostam de gracejar; com efeito, o gracejo é uma espécie de insolência bem-educada.
ARISTÓTELES, Retórica
Na segunda-feira, veremos, na íntegra, Splendor in the Grass, de Elia Kazan. Deixo-vos aqui uma passagem do filme. Trata-se de uma passagem muito conhecida, em que Deannie Loomis (Natalie Wood) lê uma passagem do poema "Ode. Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood", de William Wordsworth, poeta do Romatismo inglês.
536. Ode
Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood
THERE was a time when meadow, grove, and stream,
The earth, and every common sight,
To me did seem
Apparell'd in celestial light,
The glory and the freshness of a dream.
It is not now as it hath been of yore;—
Turn wheresoe'er I may,
By night or day,
The things which I have seen I now can see no more.
The earth, and every common sight,
To me did seem
Apparell'd in celestial light,
The glory and the freshness of a dream.
It is not now as it hath been of yore;—
Turn wheresoe'er I may,
By night or day,
The things which I have seen I now can see no more.
The rainbow comes and goes,
And lovely is the rose;
The moon doth with delight
Look round her when the heavens are bare;
Waters on a starry night
Are beautiful and fair;
The sunshine is a glorious birth;
But yet I know, where'er I go,
That there hath pass'd away a glory from the earth.
And lovely is the rose;
The moon doth with delight
Look round her when the heavens are bare;
Waters on a starry night
Are beautiful and fair;
The sunshine is a glorious birth;
But yet I know, where'er I go,
That there hath pass'd away a glory from the earth.
Now, while the birds thus sing a joyous song,
And while the young lambs bound
As to the tabor's sound,
To me alone there came a thought of grief:
A timely utterance gave that thought relief,
And I again am strong:
The cataracts blow their trumpets from the steep;
No more shall grief of mine the season wrong;
I hear the echoes through the mountains throng,
The winds come to me from the fields of sleep,
And all the earth is gay;
Land and sea
Give themselves up to jollity,
And with the heart of May
Doth every beast keep holiday;—
Thou Child of Joy,
Shout round me, let me hear thy shouts, thou happy
Shepherd-boy!
Ye blessèd creatures, I have heard the call
Ye to each other make; I see
The heavens laugh with you in your jubilee;
My heart is at your festival,
My head hath its coronal,
The fulness of your bliss, I feel—I feel it all.
O evil day! if I were sullen
While Earth herself is adorning,
This sweet May-morning,
And the children are culling
On every side,
In a thousand valleys far and wide,
Fresh flowers; while the sun shines warm,
And the babe leaps up on his mother's arm:—
I hear, I hear, with joy I hear!
—But there's a tree, of many, one,
A single field which I have look'd upon,
Both of them speak of something that is gone:
The pansy at my feet
Doth the same tale repeat:
Whither is fled the visionary gleam?
Where is it now, the glory and the dream?
Our birth is but a sleep and a forgetting:
The Soul that rises with us, our life's Star,
Hath had elsewhere its setting,
And cometh from afar:
Not in entire forgetfulness,
And not in utter nakedness,
But trailing clouds of glory do we come
From God, who is our home:
Heaven lies about us in our infancy!
Shades of the prison-house begin to close
Upon the growing Boy,
But he beholds the light, and whence it flows,
He sees it in his joy;
The Youth, who daily farther from the east
Must travel, still is Nature's priest,
And by the vision splendid
Is on his way attended;
At length the Man perceives it die away,
And fade into the light of common day.
Earth fills her lap with pleasures of her own;
Yearnings she hath in her own natural kind,
And, even with something of a mother's mind,
And no unworthy aim,
The homely nurse doth all she can
To make her foster-child, her Inmate Man,
Forget the glories he hath known,
And that imperial palace whence he came.
Behold the Child among his new-born blisses,
A six years' darling of a pigmy size!
See, where 'mid work of his own hand he lies,
Fretted by sallies of his mother's kisses,
With light upon him from his father's eyes!
See, at his feet, some little plan or chart,
Some fragment from his dream of human life,
Shaped by himself with newly-learnèd art;
A wedding or a festival,
A mourning or a funeral;
And this hath now his heart,
And unto this he frames his song:
Then will he fit his tongue
To dialogues of business, love, or strife;
But it will not be long
Ere this be thrown aside,
And with new joy and pride
The little actor cons another part;
Filling from time to time his 'humorous stage'
With all the Persons, down to palsied Age,
That Life brings with her in her equipage;
As if his whole vocation
Were endless imitation.
Thou, whose exterior semblance doth belie
Thy soul's immensity;
Thou best philosopher, who yet dost keep
Thy heritage, thou eye among the blind,
That, deaf and silent, read'st the eternal deep,
Haunted for ever by the eternal mind,—
Mighty prophet! Seer blest!
On whom those truths do rest,
Which we are toiling all our lives to find,
In darkness lost, the darkness of the grave;
Thou, over whom thy Immortality
Broods like the Day, a master o'er a slave,
A presence which is not to be put by;
To whom the grave
Is but a lonely bed without the sense or sight
Of day or the warm light,
A place of thought where we in waiting lie;
Thou little Child, yet glorious in the might
Of heaven-born freedom on thy being's height,
Why with such earnest pains dost thou provoke
The years to bring the inevitable yoke,
Thus blindly with thy blessedness at strife?
Full soon thy soul shall have her earthly freight,
And custom lie upon thee with a weight,
Heavy as frost, and deep almost as life!
O joy! that in our embers
Is something that doth live,
That nature yet remembers
What was so fugitive!
The thought of our past years in me doth breed
Perpetual benediction: not indeed
For that which is most worthy to be blest—
Is something that doth live,
That nature yet remembers
What was so fugitive!
The thought of our past years in me doth breed
Perpetual benediction: not indeed
For that which is most worthy to be blest—
Delight and liberty, the simple creed
Of childhood, whether busy or at rest,
With new-fledged hope still fluttering in his breast:—
Not for these I raise
The song of thanks and praise;
But for those obstinate questionings
Of sense and outward things,
Fallings from us, vanishings;
Blank misgivings of a Creature
Moving about in worlds not realized,
High instincts before which our mortal Nature
Did tremble like a guilty thing surprised:
But for those first affections,
Those shadowy recollections,
Which, be they what they may,
Are yet the fountain-light of all our day,
Are yet a master-light of all our seeing;
Uphold us, cherish, and have power to make
Our noisy years seem moments in the being
Of the eternal Silence: truths that wake,
To perish never:
Which neither listlessness, nor mad endeavour,
Nor Man nor Boy,
Nor all that is at enmity with joy,
Can utterly abolish or destroy!
Hence in a season of calm weather
Though inland far we be,
Our souls have sight of that immortal sea
Which brought us hither,
Can in a moment travel thither,
And see the children sport upon the shore,
And hear the mighty waters rolling evermore.
Of childhood, whether busy or at rest,
With new-fledged hope still fluttering in his breast:—
Not for these I raise
The song of thanks and praise;
But for those obstinate questionings
Of sense and outward things,
Fallings from us, vanishings;
Blank misgivings of a Creature
Moving about in worlds not realized,
High instincts before which our mortal Nature
Did tremble like a guilty thing surprised:
But for those first affections,
Those shadowy recollections,
Which, be they what they may,
Are yet the fountain-light of all our day,
Are yet a master-light of all our seeing;
Uphold us, cherish, and have power to make
Our noisy years seem moments in the being
Of the eternal Silence: truths that wake,
To perish never:
Which neither listlessness, nor mad endeavour,
Nor Man nor Boy,
Nor all that is at enmity with joy,
Can utterly abolish or destroy!
Hence in a season of calm weather
Though inland far we be,
Our souls have sight of that immortal sea
Which brought us hither,
Can in a moment travel thither,
And see the children sport upon the shore,
And hear the mighty waters rolling evermore.
Then sing, ye birds, sing, sing a joyous song!
And let the young lambs bound
As to the tabor's sound!
We in thought will join your throng,
Ye that pipe and ye that play,
Ye that through your hearts to-day
Feel the gladness of the May!
What though the radiance which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind;
In the primal sympathy
Which having been must ever be;
In the soothing thoughts that spring
Out of human suffering;
In the faith that looks through death,
In years that bring the philosophic mind.
And O ye Fountains, Meadows, Hills, and Groves,
Forebode not any severing of our loves!
Yet in my heart of hearts I feel your might;
I only have relinquish'd one delight
To live beneath your more habitual sway.
I love the brooks which down their channels fret,
Even more than when I tripp'd lightly as they;
The innocent brightness of a new-born Day
Is lovely yet;
The clouds that gather round the setting sun
Do take a sober colouring from an eye
That hath kept watch o'er man's mortality;
Another race hath been, and other palms are won.
Thanks to the human heart by which we live,
Thanks to its tenderness, its joys, and fears,
To me the meanest flower that blows can give
Thoughts that do often lie too deep for tears.
Forebode not any severing of our loves!
Yet in my heart of hearts I feel your might;
I only have relinquish'd one delight
To live beneath your more habitual sway.
I love the brooks which down their channels fret,
Even more than when I tripp'd lightly as they;
The innocent brightness of a new-born Day
Is lovely yet;
The clouds that gather round the setting sun
Do take a sober colouring from an eye
That hath kept watch o'er man's mortality;
Another race hath been, and other palms are won.
Thanks to the human heart by which we live,
Thanks to its tenderness, its joys, and fears,
To me the meanest flower that blows can give
Thoughts that do often lie too deep for tears.
William Wordsworth
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Sermão de Santo António aos peixes - Capítulo V
O «Sermão de Santo António», do Padre António Vieira, é constituído por seis capítulos. Em todos está presente a parte da retórica clássica da confirmação, nomeadamente através da repreensão dos vícios em geral. No Cap. V as repreensões passam do geral para o particular (roncadores, pegadores, voadores e polvo).
A partir daqui a sigla PAV significa Padre António Vieira.
Caracterização dos Peixes repreendidos por Padre António Vieira
Esta caracterização é feita, referindo os tipos de peixes, os defeitos destes, os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira e exemplos de homens semelhantes ao peixe referido.
Os Roncadores têm como defeitos a soberba e o orgulho. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são os seguintes: estes peixes são pequenos, mas têm muita língua; e são facilmente pescados. Refere ainda que os peixes grandes têm pouca língua e que os Roncadores têm muita arrogância e pouca firmeza. O Padre António Vieira dá ainda exemplos de homens semelhantes aos Roncadores: Pedro, Golias, Caifás e Pilatos.
Os Pegadores têm como defeito o Parasitismo. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são: os Pegadore vivem na dependência dos (peixes) grandes e morrem com eles; os (peixes) grandes morrem porque comeram, os (peixes) pequenos morrem sem terem comido. O Padre António Vieira dá ainda exemplos de homens semelhantes aos Pegadores: toda a família da corte de Herodes, Adão e Eva.
Os Voadores são presunçosos e ambiciosos. São estes os seus defeitos. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são que estes foram criados peixes e não aves, são pescados como peixes e caçados como aves e morrem queimados. O exemplo dado pelo Padre António Vieira é Simão Mago.
O Polvo é traidor, enganador. É este o seu maior defeito. Este ataca sempre através de emboscada, sendo este o argumento utilizado pelo orador. O Padre António Vieira dá o exemplo de Judas, como sendo aquele que melhor se adapta ao Polvo.
Comparação entre os peixes e Santo António
O Padre António Vieira compara os peixes referidos acima com Santo António.
Os Roncadores são soberbos e orgulhosos, facilmente pescados, enquanto que Santo António, tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre.
Os Pegadores são parasitas, aduladores, pescados com os grandes, enquanto que Santo António pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal.
Os Voadores são ambiciosos e presunçosos. Santo António tinha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural. Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência, mas tornou-se sábio para sempre.
O Polvo é traidor, e Santo António foi o maior exemplo da candura, da sinceridade e verdade, onde nunca houve mentira.
Episódio do Polvo
A expressão "aparência tão modesta" (l. 208) traduz a aparente simplicidade e inocência do polvo, que encobre uma outra realidade (terrível realidade). O orador usa, neste caso, a ironia. A expressão "hipocrisia tão santa" (l. 209) contém em si um paradoxo: a hipocrisia nunca é santa. De novo, o orador usa uma ironia: o polvo apresenta um ar de santo, mas encobre uma cruel realidade. Tem uma máscara, é hipócrita, finge ser inofensivo.
O mimetismo é o que o polvo usa para enganar: faz-se da cor do local ou dos objectos onde se instala.
No camaleão, o mimetismo é usado em sua defesa contra os agressores. No polvo, este é um artifício para atacar os peixes desacautelados ou mais fracos.
O orador refere a lenda de Proteu para contrapor o mito à realidade: Proteu metamorfoseava-se para se defender de quem o perseguia; o polvo, ao contrário, usa a metamorfose para atacar e não para se defender.
Os verbos que se referem ao polvo estão no presente do indicativo, traduzindo uma realidade permanente e imutável; a forma "vai passando", no gerúndio, acentua a forma despreocupada dos outros peixes que lentamente passam pelo local onde se encontra o traidor; os verbos que se referem a Judas estão no pretérito perfeito do indicativo porque referem acções do passado. Há ainda o imperativo "Vê", que traduz uma interpelação directa ao polvo, tornando o discurso mais vivo.
O polvo nunca ataca frontalmente, mas sempre à traição: primeiro, engana, camuflando-se, ou seja, serve-se das cores dos sítios onde se encontra; depois, ataca os inocentes.
O texto deste capítulo segue a variedade de ritmos dos outros capítulos e apresenta os mesmos recursos para conseguir tal objectivo. Basta atentar no parágrafo que começa por "Rodeia a nau o tubarão… " e no texto referente ao polvo.
Um elemento comum entre Judas e o polvo é a traição. Ambos foram vítimas deste defeito.
Os elementos diferentes entre Judas e o polvo são os seguintes:
- Judas apenas abraçou Cristo, outros o prenderam; o polvo abraça e prende.
- Judas atraiçoou Cristo à luz das lanternas; o polvo escurece-se, roubando a luz para que os outros peixes não vejam as suas cores. Podemos então verificar que a traição de Judas é de grau inferior à do polvo.
A partir daqui a sigla PAV significa Padre António Vieira.
Caracterização dos Peixes repreendidos por Padre António Vieira
Esta caracterização é feita, referindo os tipos de peixes, os defeitos destes, os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira e exemplos de homens semelhantes ao peixe referido.
Os Roncadores têm como defeitos a soberba e o orgulho. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são os seguintes: estes peixes são pequenos, mas têm muita língua; e são facilmente pescados. Refere ainda que os peixes grandes têm pouca língua e que os Roncadores têm muita arrogância e pouca firmeza. O Padre António Vieira dá ainda exemplos de homens semelhantes aos Roncadores: Pedro, Golias, Caifás e Pilatos.
Os Pegadores têm como defeito o Parasitismo. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são: os Pegadore vivem na dependência dos (peixes) grandes e morrem com eles; os (peixes) grandes morrem porque comeram, os (peixes) pequenos morrem sem terem comido. O Padre António Vieira dá ainda exemplos de homens semelhantes aos Pegadores: toda a família da corte de Herodes, Adão e Eva.
Os Voadores são presunçosos e ambiciosos. São estes os seus defeitos. Os argumentos utilizados pelo Padre António Vieira são que estes foram criados peixes e não aves, são pescados como peixes e caçados como aves e morrem queimados. O exemplo dado pelo Padre António Vieira é Simão Mago.
O Polvo é traidor, enganador. É este o seu maior defeito. Este ataca sempre através de emboscada, sendo este o argumento utilizado pelo orador. O Padre António Vieira dá o exemplo de Judas, como sendo aquele que melhor se adapta ao Polvo.
Comparação entre os peixes e Santo António
O Padre António Vieira compara os peixes referidos acima com Santo António.
Os Roncadores são soberbos e orgulhosos, facilmente pescados, enquanto que Santo António, tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre.
Os Pegadores são parasitas, aduladores, pescados com os grandes, enquanto que Santo António pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal.
Os Voadores são ambiciosos e presunçosos. Santo António tinha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural. Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência, mas tornou-se sábio para sempre.
O Polvo é traidor, e Santo António foi o maior exemplo da candura, da sinceridade e verdade, onde nunca houve mentira.
Episódio do Polvo
A expressão "aparência tão modesta" (l. 208) traduz a aparente simplicidade e inocência do polvo, que encobre uma outra realidade (terrível realidade). O orador usa, neste caso, a ironia. A expressão "hipocrisia tão santa" (l. 209) contém em si um paradoxo: a hipocrisia nunca é santa. De novo, o orador usa uma ironia: o polvo apresenta um ar de santo, mas encobre uma cruel realidade. Tem uma máscara, é hipócrita, finge ser inofensivo.
O mimetismo é o que o polvo usa para enganar: faz-se da cor do local ou dos objectos onde se instala.
No camaleão, o mimetismo é usado em sua defesa contra os agressores. No polvo, este é um artifício para atacar os peixes desacautelados ou mais fracos.
O orador refere a lenda de Proteu para contrapor o mito à realidade: Proteu metamorfoseava-se para se defender de quem o perseguia; o polvo, ao contrário, usa a metamorfose para atacar e não para se defender.
Os verbos que se referem ao polvo estão no presente do indicativo, traduzindo uma realidade permanente e imutável; a forma "vai passando", no gerúndio, acentua a forma despreocupada dos outros peixes que lentamente passam pelo local onde se encontra o traidor; os verbos que se referem a Judas estão no pretérito perfeito do indicativo porque referem acções do passado. Há ainda o imperativo "Vê", que traduz uma interpelação directa ao polvo, tornando o discurso mais vivo.
O polvo nunca ataca frontalmente, mas sempre à traição: primeiro, engana, camuflando-se, ou seja, serve-se das cores dos sítios onde se encontra; depois, ataca os inocentes.
O texto deste capítulo segue a variedade de ritmos dos outros capítulos e apresenta os mesmos recursos para conseguir tal objectivo. Basta atentar no parágrafo que começa por "Rodeia a nau o tubarão… " e no texto referente ao polvo.
Um elemento comum entre Judas e o polvo é a traição. Ambos foram vítimas deste defeito.
Os elementos diferentes entre Judas e o polvo são os seguintes:
- Judas apenas abraçou Cristo, outros o prenderam; o polvo abraça e prende.
- Judas atraiçoou Cristo à luz das lanternas; o polvo escurece-se, roubando a luz para que os outros peixes não vejam as suas cores. Podemos então verificar que a traição de Judas é de grau inferior à do polvo.
André Castilho
sábado, 15 de novembro de 2008
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
O Capítulo VI do «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Vieira
O «Sermão de Santo António» foi proferido na cidade de S. Luís do Maranhão em 1654, na sequência de uma disputa entre os colonos portugueses no Brasil.
O Sermão constitui um documento de notável imaginação, de hábil oratória e de sátira, por parte do Padre António Vieira que considera os peixes como símbolos dos vícios daqueles colonos.
O Sermão é constituído por seis capítulos, em que se pode encontrar uma correlação entre as quatro partes da retórica clássica: o exórdio, referente ao capítulo I; a exposição, nos capítulos II e III; a confirmação, presente nos capítulos IV e V; e, por fim, a peroração, que corresponde à conclusão, pertencente ao capítulo VI.
Todo o Sermão, escrito por Padre António Vieira, constitui uma alegoria – figura que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades, isto é, temas abstractos, por termos que designam realidades físicas ou animadas, concretas, através de uma sequência organizada de metáforas, de modo que os elementos do plano das ideias e o plano figurado se correspondam – na medida em que os peixes são a personificação dos homens.
No capítulo VI deparamo-nos com a conclusão desta obra, sendo referido que os animais terrestres e as aves são sacrificados pelo sangue, pela vida, enquanto que os peixes são sacrificados pelo respeito e pela reverência, isto é, os restantes animais, à excepção dos peixes, vão, normalmente, vivos para o sacrifício, o que não acontece com os peixes, que morrem e, pelo que o Padre António Vieira afirma, “cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem chegue aos seus Altares.”
Tendo em conta que são os últimos parágrafos aqueles que mais captam a atenção do leitor, o orador tem como intenção "mover" o seu auditório. E é perante isto que o Padre António Vieira salienta dois pontos. Ele refere que os peixes estão acima dos outros animais, na medida em que o Levítico os exclui como objecto de sacrifício. Este facto é tido como positivo pelo orador, pois são os únicos animais a quem isto sucede. Relativamente ao homem, este também chega ao altar morto, mas, por sua vez, em pecado mortal, devido a todas as más acções praticadas durante a vida terrena. Neste contexto, Deus “não o quer”, pretendendo apenas que o homem siga o exemplo dos peixes e mantenha respeito e obediência à Suma Verdade. No segundo ponto, o Padre António Vieira refere que os peixes estão acima do pregador e que este demonstra um certo grau de inveja porque fala de si próprio como um pecador, tentando impressionar, deste modo, os ouvintes, tal como podemos observar a meio do capítulo VI, quando ele afirma: “Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade.”
Todas estas repetições, proferidas pelo pregador, realçam o paralelismo – relação da construção da frase ou verso - entre o orador e os peixes, e as gradações – enumerações de elementos numa sequência determinada por uma ordem ascendente, crescente, em termos de intensificação do sentido.
Aproximando-se do final, o pregador torna-se mais exortativo e dinâmico, uma vez que a linguagem utilizada tem um tom imperativo, reiterando-se no louvor que se faz sentir uma gradação de tom, que indica o fim do Sermão.
Antes de finalizar, solicita aos peixes que louvem Deus por uma infinidade de acções, destacando-se: a sua criação em grande número; a distinção das outras espécies; a sua multiplicidade; a base de sustento ao homem, entre outras.
Acresce referir que o Sermão termina com o hino «Benedicite», dito num tom festivo, celebrando a festa de S. António.
Também está representada a presença de um recurso expressivo, que é o quiasmo - figura que consiste na disposição de quatro elementos, agrupados dois a dois por paralelismo, segundo o esquema da letra X, isto é, a segunda parte da construção contém os mesmos elementos, ou elementos paralelos da primeira, mas inverte-se a ordem de sucessão – que se traduz na expressão “como não sois capazes de Gloria, nem Graça não acaba o vosso Sermão em Graça, e Glória”.
Inês Santos
domingo, 2 de novembro de 2008
Sermão de Santo António aos peixes
Capitulo IV
Nesta parte do Sermão, o Padre António Vieira usa o mesmo método que utilizou nos capítulos anteriores quando fez os louvores aos peixes.
Continuando a evidenciar uma grande ironia, o pregador finge falar aos peixes, quando, na verdade, se dirige às pessoas que o ouvem.
Neste capítulo faz a repreensão aos peixes, repreendendo os seus vícios em geral.
1ª Repreensão: “Os peixes comem-se uns aos outros”
Para comprovar a tese de que os homens se “comem” uns aos outros, o orador recorre a exemplos concretos, do conhecimento dos ouvintes.
Ao longo do Sermão, o Padre António Vieira vai desenvolvendo a sua tese, referindo que os peixes se comem uns aos outros: os maiores comem os mais pequenos, à semelhança dos homens que se devoram uns aos outros, movidos pela cobiça e pelo oportunismo.
O verbo “comer” é aqui utilizado num sentido muito negativo, significando vigarizar, aproveitar-se, roubar os mais fracos.
“… A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os mais pequenos.”
(…) “Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um… devoram e engolem os povos inteiros.”
Recorrendo a outro exemplo concreto, o autor refere que, tal como o pão é “comer de todos os dias”, os pequenos “são o pão quotidiano dos grandes”, ou seja, são continuadamente explorados pelos mais fortes.
Seguidamente, o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite particular. O bem comum é a harmonia geral. O bem particular é o interesse individual de cada peixe. Fingindo dirigir-se aos peixes e, referindo-se aos ouvintes diz-lhes “… não vedes que contra vós se emalham e entralham as redes… contra vós se dobram e farpam os anzóis…”
Os peixes são perseguidos dia e noite por inimigos exteriores, os pescadores. Devem, pois, evitar as lutas internas que os destruirão. Se os peixes são uma família, devem proceder como irmãos, como lhes pregou Santo António. Por isso diz-lhes: “ … importa que daqui em diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um …”
Dando o exemplo dos peixes que caem facilmente no engodo dos pescadores, o orador passa seguidamente para a situação dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. É evidente que o seu objectivo é criticar fortemente a exploração dos índios por parte dos colonos.
2ª Repreensão: “A ignorância e a cegueira dos peixes”
Através desta alegoria, Vieira repreende a vaidade dos homens, que, tal como os peixes, se deixam “cegar” por um simples pedaço de pano, trabalhando toda a vida para poderem pagar o farrapo com que saem à rua. “… Vem o mestre de navio de Portugal com… quatro panos e quatro cedas… e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra.”
Mais adiante acrescenta: “Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça ou na cana, … e este trabalho de toda a vida, quem o leva?... no triste farrapo com que saem à rua. E para isso se matam todo o ano.”
Conclui que, ao contrário dos peixes cegos e ignorantes, que se deixam enganar por qualquer isco, o exemplo de Santo António, que nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, é aquele que deve ser seguido, pois “…trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda. Com aquela corda e com aquele pano pescou ele muitos…” Fazendo-se pobre e simples, conseguiu salvar muitos, ou seja, levou-os a terem uma vida digna e despojada de riqueza e ostentação.
A principal finalidade desta parte do sermão é convencer os ouvintes a evitar os defeitos destacados. Vieira faz, assim, um apelo à união de todos os indígenas contra a acção dos brancos que os escravizam.
Capitulo IV
Nesta parte do Sermão, o Padre António Vieira usa o mesmo método que utilizou nos capítulos anteriores quando fez os louvores aos peixes.
Continuando a evidenciar uma grande ironia, o pregador finge falar aos peixes, quando, na verdade, se dirige às pessoas que o ouvem.
Neste capítulo faz a repreensão aos peixes, repreendendo os seus vícios em geral.
1ª Repreensão: “Os peixes comem-se uns aos outros”
Para comprovar a tese de que os homens se “comem” uns aos outros, o orador recorre a exemplos concretos, do conhecimento dos ouvintes.
Ao longo do Sermão, o Padre António Vieira vai desenvolvendo a sua tese, referindo que os peixes se comem uns aos outros: os maiores comem os mais pequenos, à semelhança dos homens que se devoram uns aos outros, movidos pela cobiça e pelo oportunismo.
O verbo “comer” é aqui utilizado num sentido muito negativo, significando vigarizar, aproveitar-se, roubar os mais fracos.
“… A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os mais pequenos.”
(…) “Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um… devoram e engolem os povos inteiros.”
Recorrendo a outro exemplo concreto, o autor refere que, tal como o pão é “comer de todos os dias”, os pequenos “são o pão quotidiano dos grandes”, ou seja, são continuadamente explorados pelos mais fortes.
Seguidamente, o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite particular. O bem comum é a harmonia geral. O bem particular é o interesse individual de cada peixe. Fingindo dirigir-se aos peixes e, referindo-se aos ouvintes diz-lhes “… não vedes que contra vós se emalham e entralham as redes… contra vós se dobram e farpam os anzóis…”
Os peixes são perseguidos dia e noite por inimigos exteriores, os pescadores. Devem, pois, evitar as lutas internas que os destruirão. Se os peixes são uma família, devem proceder como irmãos, como lhes pregou Santo António. Por isso diz-lhes: “ … importa que daqui em diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um …”
Dando o exemplo dos peixes que caem facilmente no engodo dos pescadores, o orador passa seguidamente para a situação dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. É evidente que o seu objectivo é criticar fortemente a exploração dos índios por parte dos colonos.
2ª Repreensão: “A ignorância e a cegueira dos peixes”
Através desta alegoria, Vieira repreende a vaidade dos homens, que, tal como os peixes, se deixam “cegar” por um simples pedaço de pano, trabalhando toda a vida para poderem pagar o farrapo com que saem à rua. “… Vem o mestre de navio de Portugal com… quatro panos e quatro cedas… e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra.”
Mais adiante acrescenta: “Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça ou na cana, … e este trabalho de toda a vida, quem o leva?... no triste farrapo com que saem à rua. E para isso se matam todo o ano.”
Conclui que, ao contrário dos peixes cegos e ignorantes, que se deixam enganar por qualquer isco, o exemplo de Santo António, que nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, é aquele que deve ser seguido, pois “…trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda. Com aquela corda e com aquele pano pescou ele muitos…” Fazendo-se pobre e simples, conseguiu salvar muitos, ou seja, levou-os a terem uma vida digna e despojada de riqueza e ostentação.
A principal finalidade desta parte do sermão é convencer os ouvintes a evitar os defeitos destacados. Vieira faz, assim, um apelo à união de todos os indígenas contra a acção dos brancos que os escravizam.
João Filipe
«SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES», ESCRITO PELO PADRE ANTÓNIO VIEIRA, Secção II
O «Sermão de Santo António aos Peixes» é um discurso longo, criado com o objectivo de ser pregado aos colonos do Brasil.
Santo António pregava aos peixes, pois estes tinham duas qualidades de ouvintes: para além de ouvirem, não falavam. Contudo, uma coisa o desconsolava: os peixes, neste caso, as pessoas humildes (índios), já tinham sido convertidas e o seu sermão não adiantaria mais nada. O Padre António Vieira já estava habituado a esta “dor”, que era frequente.
O Padre António Vieira começa por falar no “sal”, substância existente no mar, local em que vivem os peixes. O Sal tem a propriedade de “preservar” (contra a corrupção, por efeito da doutrina). Tal como o pregador tem a função, na sociedade, de louvar e conservar o bem e repreender o mal. Aqui o padre António Vieira compara o sal ao pregador (Padre António Vieira), como tendo a mesma função.
Conservar o bem e repreender o mal não é apenas função dos homens, mas também dos peixes. É feita mais uma comparação: quando os pescadores vão à pesca, ao lançarem a sua rede, tanto recolhem os peixes maus como os peixes bons. Do mesmo modo, o pregador, quando faz os seus sermões, fá-los, tanto para os homens bons como para os maus, os gananciosos. A única diferença é que os pescadores podem deitar fora os peixes “maus”, enquanto que os pregadores repreendem o mal que os homens praticam e tentam que eles se corrijam e pratiquem o bem. Com este objectivo, o Padre António Vieira dividiu o «Sermão de Santo António aos Peixes» em duas partes: na primeira parte são louvadas as atitudes dos peixes; e na segunda repreendidos os seus vícios.
Para preservar os peixes (pessoas humildes) é utilizado o sal, componente do mar onde estes habitam e que os conserva.
Aqui, podemos comparar os peixes (pessoas humildes), a Adão e Eva, os primeiros seres humanos, os mais puros, a quem, pelas suas qualidades, Deus deu o domínio e o poder da decisão sobre todos os animais.
Os peixes, sendo “os mais” e “os maiores”, têm a liberdade de fazerem o que querem, tal como os homens, que podem ter dinheiro e cargos que lhes permitem fazer o que querem. Nem a soma dos animais terrestre com as aves alcança a quantidade de todos os peixes existentes.
Contudo, como nem todos os peixes são “aproveitáveis”, também nem todas as pessoas são boas e humildes.
Outra comparação que podemos fazer é entre o elefante e a baleia. A baleia é um animal grande e forte e utiliza o elefante para o seu próprio proveito.
Do mesmo modo, o homem mau (baleia) domina o homem bom (elefante). A baleia é associada ao homem poderoso.
Santo António, ao pregar aos peixes, pede-lhes que permaneçam em adulação, e para não se deixarem levar pelas vaidades e pela vontade de pecar. Agradece aos peixes por estarem a ouvir o seu louvor, enquanto que os homens sentem desconforto e desconcerto de ideias (baralhados), querendo banir Santo António por terem mais que fazer do que ouvi-lo pregar e falar sobre paixões e sentimentos, apelando às virtudes e à honra.
Poder-se-á dizer que Santo António prega aos peixes, seres humildes, porque só lhe prestam atenção as pessoas humildes, que são raras, e que, mesmo assim, não o entendem. Os homens não lhe prestam atenção, como se fosse algo sem sentido.
Os que tem o poder de raciocinar tornam-se ambiciosos, gananciosos, loucos à procura de fortuna. Os humildes, tal como os peixes, contentam-se apenas com o que necessitam, como a comida, e são felizes, desligando-se ao máximo dos bens materiais.
Outro aspecto referido no Sermão é o facto de os homens deitarem Jonas, um pregador, ao mar, mas os peixes, muito embora não entendessem o que pregava na sua humildade não o “comeram” e devolveram-no à Terra onde voltaria a pregar e a poder salvar outros homens.
Pode concluir-se que os peixes são melhores, mas menos vaidosos do que os homens, embora sejam eles, os peixes, que praticam as boas acções.
Apesar de o homem ser pecador, o bem está acima da natureza humana. Os peixes são os únicos animais que, segundo Aristóteles, referido pelo Padre António Vieira, não se domesticam. Desta forma, não adquirem vícios. No sermão é dado o exemplo: “… dos animais terrestres o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam. Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem connosco o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento.”
Contrariamente, os peixes não são domesticáveis, vivem no mar e nos rios escondidos nas suas tocas, não sujeitos ao homem. Não confiam no homem nem os poderosos, nem os humildes / índios / escravos. Muitos são condenados por essa atitude, vivem mal, mas não fazem nada para mudar, sentem-se conformados.
O Padre António Vieira louva os peixes porque se protegem, pois, quanto mais longe estiverem dos homens do poder e da ganância, mais livres e felizes serão.
Todos os animais que referimos anteriormente são dependentes e gratos ao homem porque este lhes dá alimentos. No entanto, abdicaram da sua liberdade. Vivem “amarrados”, “engaiolados”. Ainda hoje existem muitas pessoas que não se sentem livres, pois necessitam no final do mês do seu ordenado, para o seu próprio sustento (escravos do SEC. XXI).
Os peixes, ao viverem afastados do homem, no mar, esquecem a crueldade humana vivida em sociedade. Por isso, é referido que não têm memória.
Outro argumento constante no sermão e que é apresentado é o da Arca de Noé. Aqui é representada a bondade dos peixes, que, por serem bons, se salvaram todos, enquanto que os outros animais, domesticados e dependentes dos homens, morreram, ficando apenas um casal de cada espécie, para que se pudessem reproduzir. Tudo isto por terem sido contaminados pelo homem ganancioso.
Deus é “todo poderoso”, pois, tanto teve o poder de alagar a Terra como de envenenar as águas. Fê-lo porque quis castigar os gananciosos, os pecadores e os que estavam junto a eles. Os peixes que se mantiveram afastados do mal não foram castigados, acabando por receber a recompensa da sua bondade, ao não serem envenenadas as águas do mar.
A salvação dos peixes deve-se à distância do homem, da sociedade, pois, por mais que este queira, nunca deixará de pecar, o pecado faz parte da condição humana.
O Padre António Vieira, ao referir Santo António, diz que, quanto mais este se aproximava de Deus, mais se afastava da sociedade: “primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal. “
Para se refugiar e afastar dos homens, perdeu os seus hábitos, mudou o seu nome e afastou-se da família, isolando-se num ermo onde viveu o resto da sua vida, em prole da Fé em Deus.
O «Sermão de Santo António aos Peixes» é um discurso longo, criado com o objectivo de ser pregado aos colonos do Brasil.
Santo António pregava aos peixes, pois estes tinham duas qualidades de ouvintes: para além de ouvirem, não falavam. Contudo, uma coisa o desconsolava: os peixes, neste caso, as pessoas humildes (índios), já tinham sido convertidas e o seu sermão não adiantaria mais nada. O Padre António Vieira já estava habituado a esta “dor”, que era frequente.
O Padre António Vieira começa por falar no “sal”, substância existente no mar, local em que vivem os peixes. O Sal tem a propriedade de “preservar” (contra a corrupção, por efeito da doutrina). Tal como o pregador tem a função, na sociedade, de louvar e conservar o bem e repreender o mal. Aqui o padre António Vieira compara o sal ao pregador (Padre António Vieira), como tendo a mesma função.
Conservar o bem e repreender o mal não é apenas função dos homens, mas também dos peixes. É feita mais uma comparação: quando os pescadores vão à pesca, ao lançarem a sua rede, tanto recolhem os peixes maus como os peixes bons. Do mesmo modo, o pregador, quando faz os seus sermões, fá-los, tanto para os homens bons como para os maus, os gananciosos. A única diferença é que os pescadores podem deitar fora os peixes “maus”, enquanto que os pregadores repreendem o mal que os homens praticam e tentam que eles se corrijam e pratiquem o bem. Com este objectivo, o Padre António Vieira dividiu o «Sermão de Santo António aos Peixes» em duas partes: na primeira parte são louvadas as atitudes dos peixes; e na segunda repreendidos os seus vícios.
Para preservar os peixes (pessoas humildes) é utilizado o sal, componente do mar onde estes habitam e que os conserva.
Aqui, podemos comparar os peixes (pessoas humildes), a Adão e Eva, os primeiros seres humanos, os mais puros, a quem, pelas suas qualidades, Deus deu o domínio e o poder da decisão sobre todos os animais.
Os peixes, sendo “os mais” e “os maiores”, têm a liberdade de fazerem o que querem, tal como os homens, que podem ter dinheiro e cargos que lhes permitem fazer o que querem. Nem a soma dos animais terrestre com as aves alcança a quantidade de todos os peixes existentes.
Contudo, como nem todos os peixes são “aproveitáveis”, também nem todas as pessoas são boas e humildes.
Outra comparação que podemos fazer é entre o elefante e a baleia. A baleia é um animal grande e forte e utiliza o elefante para o seu próprio proveito.
Do mesmo modo, o homem mau (baleia) domina o homem bom (elefante). A baleia é associada ao homem poderoso.
Santo António, ao pregar aos peixes, pede-lhes que permaneçam em adulação, e para não se deixarem levar pelas vaidades e pela vontade de pecar. Agradece aos peixes por estarem a ouvir o seu louvor, enquanto que os homens sentem desconforto e desconcerto de ideias (baralhados), querendo banir Santo António por terem mais que fazer do que ouvi-lo pregar e falar sobre paixões e sentimentos, apelando às virtudes e à honra.
Poder-se-á dizer que Santo António prega aos peixes, seres humildes, porque só lhe prestam atenção as pessoas humildes, que são raras, e que, mesmo assim, não o entendem. Os homens não lhe prestam atenção, como se fosse algo sem sentido.
Os que tem o poder de raciocinar tornam-se ambiciosos, gananciosos, loucos à procura de fortuna. Os humildes, tal como os peixes, contentam-se apenas com o que necessitam, como a comida, e são felizes, desligando-se ao máximo dos bens materiais.
Outro aspecto referido no Sermão é o facto de os homens deitarem Jonas, um pregador, ao mar, mas os peixes, muito embora não entendessem o que pregava na sua humildade não o “comeram” e devolveram-no à Terra onde voltaria a pregar e a poder salvar outros homens.
Pode concluir-se que os peixes são melhores, mas menos vaidosos do que os homens, embora sejam eles, os peixes, que praticam as boas acções.
Apesar de o homem ser pecador, o bem está acima da natureza humana. Os peixes são os únicos animais que, segundo Aristóteles, referido pelo Padre António Vieira, não se domesticam. Desta forma, não adquirem vícios. No sermão é dado o exemplo: “… dos animais terrestres o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam. Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem connosco o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento.”
Contrariamente, os peixes não são domesticáveis, vivem no mar e nos rios escondidos nas suas tocas, não sujeitos ao homem. Não confiam no homem nem os poderosos, nem os humildes / índios / escravos. Muitos são condenados por essa atitude, vivem mal, mas não fazem nada para mudar, sentem-se conformados.
O Padre António Vieira louva os peixes porque se protegem, pois, quanto mais longe estiverem dos homens do poder e da ganância, mais livres e felizes serão.
Todos os animais que referimos anteriormente são dependentes e gratos ao homem porque este lhes dá alimentos. No entanto, abdicaram da sua liberdade. Vivem “amarrados”, “engaiolados”. Ainda hoje existem muitas pessoas que não se sentem livres, pois necessitam no final do mês do seu ordenado, para o seu próprio sustento (escravos do SEC. XXI).
Os peixes, ao viverem afastados do homem, no mar, esquecem a crueldade humana vivida em sociedade. Por isso, é referido que não têm memória.
Outro argumento constante no sermão e que é apresentado é o da Arca de Noé. Aqui é representada a bondade dos peixes, que, por serem bons, se salvaram todos, enquanto que os outros animais, domesticados e dependentes dos homens, morreram, ficando apenas um casal de cada espécie, para que se pudessem reproduzir. Tudo isto por terem sido contaminados pelo homem ganancioso.
Deus é “todo poderoso”, pois, tanto teve o poder de alagar a Terra como de envenenar as águas. Fê-lo porque quis castigar os gananciosos, os pecadores e os que estavam junto a eles. Os peixes que se mantiveram afastados do mal não foram castigados, acabando por receber a recompensa da sua bondade, ao não serem envenenadas as águas do mar.
A salvação dos peixes deve-se à distância do homem, da sociedade, pois, por mais que este queira, nunca deixará de pecar, o pecado faz parte da condição humana.
O Padre António Vieira, ao referir Santo António, diz que, quanto mais este se aproximava de Deus, mais se afastava da sociedade: “primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal. “
Para se refugiar e afastar dos homens, perdeu os seus hábitos, mudou o seu nome e afastou-se da família, isolando-se num ermo onde viveu o resto da sua vida, em prole da Fé em Deus.
Ana Margarida
Análise da Introdução ou Exórdio do «Sermão de Sto António aos Peixes»
O «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Viera, foi pregado três dias antes deste embarcar para o reino, no ano de 1654.
Vieira tinha estado no Maranhão, no Brasil, a abraçar missionação. O seu objectivo era converter os índios e educá-los.
O Padre António Vieira pronunciou este célebre Sermão, aproveitando o facto do dia 13 de Junho ser o dia de Sto António no calendário litúrgico.
O autor, neste sermão, queria denunciar a realidade da corrupção que existia nessa época, nomeadamente através da exploração dos pequenos pelos grandes.
A única riqueza da colónia de S.Luís do Maranhão, para os colonos, era os Índios. Chamavam-lhes o “ouro vermelho”.
Os colonos exploravam de forma desumana os índios. Os jesuítas (pregadores) não podiam permitir tal atrocidade. Os colonos eram homens que enriqueciam à custa do suor e do sangue dos índios.
O Padre António Vieira defendia os seus direitos e pretendia a abolição das leis que os tornavam cativos.
Como a palavra era a sua melhor arma, Vieira lançou-se com entusiasmo e alegria na grande abra da defesa dos Índios.
A introdução ou éxordio, deste sermão, é muito importante, na medida em que é o primeiro passo para captar a atenção dos ouvintes.
O barroco manifestava-se nesta obra através de fenómenos de grande rigor interno e externo: o cultismo e o conceptismo.
No cultismo era a tendência para abusar de metáforas, anáforas e antíteses. Utilizava-se um jogo de palavras recorrendo a trocadilhos e repetições.
O conceptismo era um jogo de conceitos, alegorias e ideias rebuscadas.
Partindo de um pequeno excerto bíblico de S.Mateus (“Vos estis sal terrae”) em que (vos = pregadores; o sal era a mensagem evangélica; terrae = ouvintes), os ouvintes não poderiam pôr em causa o que Vieira defendia. Não utilizava ele a palavra divina? Como poderiam contestá-la? Com vista à captação do auditório e através de uma engenhosa rede de jogos de palavras, Vieira recorre a vários artifícios: “Qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção?”; “Porque é que o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina?” Ou seja, porque é que a mensagem evangélica não chega aos ouvintes? Porquê? Tudo isto são trocadilhos e repetições do cultismo do Barroco.
Os pregadores não pregavam a verdadeira doutrina porque diziam uma coisa e faziam outra. Como Vieira diz: “os pregadores dizem uma coisa e fazem outra”; ou “ porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem”. Como diz Vieira, “ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem os seus apetites”, ou seja, os seus interesses.
E qual seria a solução para isto? Então, se o sal não salga, ou seja, os pregadores não conseguiam fazer-se ouvir, porque a terra não se deixava ouvir. Como Vieira disse, o sal será deitado fora como inútil para que seja pisado por todos.
Nem Jesus Cristo conseguiu resolver estes problemas no Evangelho. Mas havia uma solução.
O Padre António Vieira recorre ao português Sto António que, ao orar na cidade Italiana de Arimino, se viu atacado por muitos ouvintes. Portanto, Sto António questionou-se: “Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?” Não! Chegou-se à foz do rio e começou a fazer o sermão em nome de Deus aos peixes, ou seja, mudou o auditório. Mas ele não desistiu da doutrina. E com este paralelismo disse: “Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar”. E depois segue com o discurso: “Oh maravilhas do Altíssimo…”
O Padre António Vieira resolveu fazer como Sto António: voltou-se da terra para o mar e incitou os que não queriam ouvir a verdade a abandonar o Sermão.
Vieira acabou o Exórdio fazendo uma invocação a Maria, Senhora do Mar, com a sua costumada ironia.
O pregador invocou Nossa Senhora porque era habitual fazê-lo e ainda porque o nome Maria queria dizer Senhora do Mar.
E como os ouvintes do Sermão eram pescadores invocavam-na na faina da pesca.
E Vieira terminou o Exórdio dizendo: Ave Maria.
O «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Viera, foi pregado três dias antes deste embarcar para o reino, no ano de 1654.
Vieira tinha estado no Maranhão, no Brasil, a abraçar missionação. O seu objectivo era converter os índios e educá-los.
O Padre António Vieira pronunciou este célebre Sermão, aproveitando o facto do dia 13 de Junho ser o dia de Sto António no calendário litúrgico.
O autor, neste sermão, queria denunciar a realidade da corrupção que existia nessa época, nomeadamente através da exploração dos pequenos pelos grandes.
A única riqueza da colónia de S.Luís do Maranhão, para os colonos, era os Índios. Chamavam-lhes o “ouro vermelho”.
Os colonos exploravam de forma desumana os índios. Os jesuítas (pregadores) não podiam permitir tal atrocidade. Os colonos eram homens que enriqueciam à custa do suor e do sangue dos índios.
O Padre António Vieira defendia os seus direitos e pretendia a abolição das leis que os tornavam cativos.
Como a palavra era a sua melhor arma, Vieira lançou-se com entusiasmo e alegria na grande abra da defesa dos Índios.
A introdução ou éxordio, deste sermão, é muito importante, na medida em que é o primeiro passo para captar a atenção dos ouvintes.
O barroco manifestava-se nesta obra através de fenómenos de grande rigor interno e externo: o cultismo e o conceptismo.
No cultismo era a tendência para abusar de metáforas, anáforas e antíteses. Utilizava-se um jogo de palavras recorrendo a trocadilhos e repetições.
O conceptismo era um jogo de conceitos, alegorias e ideias rebuscadas.
Partindo de um pequeno excerto bíblico de S.Mateus (“Vos estis sal terrae”) em que (vos = pregadores; o sal era a mensagem evangélica; terrae = ouvintes), os ouvintes não poderiam pôr em causa o que Vieira defendia. Não utilizava ele a palavra divina? Como poderiam contestá-la? Com vista à captação do auditório e através de uma engenhosa rede de jogos de palavras, Vieira recorre a vários artifícios: “Qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção?”; “Porque é que o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina?” Ou seja, porque é que a mensagem evangélica não chega aos ouvintes? Porquê? Tudo isto são trocadilhos e repetições do cultismo do Barroco.
Os pregadores não pregavam a verdadeira doutrina porque diziam uma coisa e faziam outra. Como Vieira diz: “os pregadores dizem uma coisa e fazem outra”; ou “ porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem”. Como diz Vieira, “ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem os seus apetites”, ou seja, os seus interesses.
E qual seria a solução para isto? Então, se o sal não salga, ou seja, os pregadores não conseguiam fazer-se ouvir, porque a terra não se deixava ouvir. Como Vieira disse, o sal será deitado fora como inútil para que seja pisado por todos.
Nem Jesus Cristo conseguiu resolver estes problemas no Evangelho. Mas havia uma solução.
O Padre António Vieira recorre ao português Sto António que, ao orar na cidade Italiana de Arimino, se viu atacado por muitos ouvintes. Portanto, Sto António questionou-se: “Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?” Não! Chegou-se à foz do rio e começou a fazer o sermão em nome de Deus aos peixes, ou seja, mudou o auditório. Mas ele não desistiu da doutrina. E com este paralelismo disse: “Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar”. E depois segue com o discurso: “Oh maravilhas do Altíssimo…”
O Padre António Vieira resolveu fazer como Sto António: voltou-se da terra para o mar e incitou os que não queriam ouvir a verdade a abandonar o Sermão.
Vieira acabou o Exórdio fazendo uma invocação a Maria, Senhora do Mar, com a sua costumada ironia.
O pregador invocou Nossa Senhora porque era habitual fazê-lo e ainda porque o nome Maria queria dizer Senhora do Mar.
E como os ouvintes do Sermão eram pescadores invocavam-na na faina da pesca.
E Vieira terminou o Exórdio dizendo: Ave Maria.
Ana Carolina
A partir de uma passagem da obra Júlio César, de William Shakespeare, contida no Manual de Português
CENA II – ROMA – A PRAÇA PÚBLICA
Na cena I César é assassinado por um grupo de nobres romanos, entre os quais Bruto. Bruto é muito estimado por César, como um filho, mas, tal como os outros conspiradores, achava que César se tornara uma ameaça à liberdade de Roma.
A cena que vamos tratar é a cena II, cuja acção se passa na praça pública, em Roma.
Bruto começa o seu discurso, dizendo aos cidadãos para se manterem silenciosos. Começa por dizer que, se algum dos presentes era amigo de César, ele próprio também o era, mas mais amigo era de Roma.
Faz uma pergunta ao público: “ Que preferis vós, ver César vivo e morrerdes escravos, ou ver César morto e viverdes livres?”
Bruto descreve César como: “Meu amigo, Glorioso, Valoroso e Ambicioso”. Conclui que deita lágrimas pela amizade, alegria pelas suas glórias, homenageia a sua coragem, e mata a sua ambição, ou seja, para Bruto, o seu defeito. Considera Bruto que a ambição de César era mais forte do que todas as suas outras qualidades, identificando, assim, a ambição como a razão para o matar.
Bruto diz ainda que, se houver alguém que queira ser escravo, que não ame a sua pátria que deve falar, pois terá ofendido essa pessoa.
Bruto diz que “fez morte” a César porque este o merecia, mas que, mesmo assim, as razões da sua morte não diminuem o valor das suas glórias.
Justifica a morte de César como sendo o melhor para Roma, e acaba o seu discurso dizendo que conserva o seu punhal, aquele com que matou César para que, se for preciso, o matem, caso ofenda a sua Pátria.
Bruto diz, então, para António trazer o corpo de César à presença do povo, e, depois, retira-se. Então, todos os cidadãos o aplaudem, dizendo que o levam até casa com aplausos e aclamações.
Mas Bruto recusa essa oferta, passando, de seguida, a palavra a António, ao mesmo tempo que incentiva a audiência a escutá-lo.
António começa por agradecer as palavras de Bruto. Dá início ao seu discurso, elogiando Bruto, ou seja, fazendo aquilo que os cidadãos queriam, descrevendo-o como um homem respeitável. Depois, diz que César sempre fora seu amigo, que era justo e leal. Contudo, logo de seguida, sublinha que Bruto diz que ele é ambicioso e que Bruto é um homem respeitável. António faz sempre questão de sublinhar esta ideia favorável a Bruto, de forma a agradar aos ouvintes e para que estes continuem interessados em ouvi-lo.
António passa, então, a contra-argumentar, de forma gradual, contra Bruto, defendendo que César não era ambicioso. De tal modo que dá o exemplo daquilo que aconteceu durante as Lupercais, quando por três vezes ofereceram a César uma coroa real e por três vezes ele rejeitou.
Os cidadãos começam, a pouco e pouco, a achar que o que António diz é razoável.
António continua, depois, dizendo que, se quisesse criar uma revolta, acusaria Bruto e Cássio, mas que não o fará, pois elas são homens respeitáveis.
António afirma, então, que encontrara um pergaminho que continha o testamento de César. Começa por dizer que não o que ler, mas que, se o ouvissem, todos iram aplaudir César. Os cidadãos insistem com António para que ele leia o texto, mas ele afirma que não quer ler e que apenas quer que todos saibam que César era amigo de todos. Diz que, se soubessem que eram os seus herdeiros, poderia levantar vários males.
Com os cidadãos a continuar a insistir, António diz que falou cedo de mais e não queria prejudicar esses homens que, com os seus punhais, assassinaram César.
António decide então ler o testamento, começa por descrever a morte de César adjectiva o punhal como “ punhal sangrento da traição”.
Todo o fórum fica chocado com esta descrição, classificando o dia como um dia calamitoso, e a chamarem a Bruto e Cássio traidores e celerados, descrevem todo o espectáculo como sangrento e triste.
Um cidadão começa a dizer que têm que se vingar de bruto e Cássio, querendo mata-los e incendiar a casa deles.
António continua dizendo que não quer despertar a revolta. Afirma que ambos são respeitáveis, mas não entende a razão que os levou a matar César. Descreve-os como homens sensatos e honrados e que poderiam apresentar boas razões, mas diz que não tem como objectivo enganar ninguém, e que é um homem simples, franco e amigo do seu amigo. Diz que não é um orador e que não tem poder de persuasão para arrastar os que o ouvem.
Os cidadãos começam, de novo, a ficar revoltados e a pedir vingança, mas António continua o seu discurso, referindo que se tinham esquecido do testamento de César. Começa, então, por dizer que César deixa a cada cidadão setenta e cindo dracmas, todos os jardins, lugares reservados e os seus pomares. António acaba o seu discurso dizendo: “este é o verdadeiro César”.
Chegados a este momento, os cidadãos descrevem César, como nobilíssimo, magnificente, e Bruto, como traidor.
Podemos concluir que, neste texto, ocorrem duas acções centrais: o momento em que Bruto discursa acerca das razões que o levaram a matar César; e o momento em que António faz a homenagem a César.
Neste texto podemos constatar que, tanto Bruto como António são ambos oradores, pois conseguem levar os cidadãos a concordar com os seus argumentos.
Bruto faz com que todos os cidadãos o achem digno e justo, e que achem que a morte de César foi justa.
Mas, depois, António consegue ter a capacidade de persuadir todo o fórum, começando por agradar aos cidadãos e, a pouco e pouco, introduzindo as suas opiniões e argumentos. Gradualmente, os cidadãos começam a achar Bruto um traidor e César uma vítima. Começam a querer homenagear César, ao mesmo tempo que vão pedindo vingança a Bruto.
Poderíamos dividir este texto em dois textos argumentativos: o texto argumentativo de Bruto; e o texto argumentativo de António.
Em ambos existe um momento de “captatio benenolentiae”, que consiste em seduzir os ouvintes, mesmo que tenham ideias e concepções diferentes. É o momento em que o orador atrai os ouvintes com a sua simpatia. No discurso de Bruto, este começa por dizer que ele próprio também era amigo de César, de forma a que, mesmo aqueles que gostassem de César o continuassem a ouvir.
No discurso de António, como já referi antes, está bem presente esta parte tão importante do texto argumentativo, por exemplo, quando António começa por elogiar Bruto de forma a conquistar todos os ouvintes.
Esta é, para mim, a parte mais importante do texto argumentativo, uma vez que revela o tema e o tom do orador. É a parte que capta os ouvintes e é onde os ouvintes “decidem” se estão interessados ou não no discurso e se estarão interessados até ao fim.
Verifica-se também neste texto que os ouvintes vão modificando o seu modo de pensar acerca da morte de César, à medida que se vão sucedendo os argumentos de um e de outro orador. Ou seja, mudam de opinião através dos argumentos de um orador. Verificamos isto, por exemplo, ao longo de o discurso de António: de início, tinham na cabeça os argumentos de Bruto, mas, à medida que seguem o discurso de António, vão modificando a sua opinião, começando, então, a ficar do lado de António e achando até mesmo que Bruto era, afinal, um traidor.
CENA II – ROMA – A PRAÇA PÚBLICA
Na cena I César é assassinado por um grupo de nobres romanos, entre os quais Bruto. Bruto é muito estimado por César, como um filho, mas, tal como os outros conspiradores, achava que César se tornara uma ameaça à liberdade de Roma.
A cena que vamos tratar é a cena II, cuja acção se passa na praça pública, em Roma.
Bruto começa o seu discurso, dizendo aos cidadãos para se manterem silenciosos. Começa por dizer que, se algum dos presentes era amigo de César, ele próprio também o era, mas mais amigo era de Roma.
Faz uma pergunta ao público: “ Que preferis vós, ver César vivo e morrerdes escravos, ou ver César morto e viverdes livres?”
Bruto descreve César como: “Meu amigo, Glorioso, Valoroso e Ambicioso”. Conclui que deita lágrimas pela amizade, alegria pelas suas glórias, homenageia a sua coragem, e mata a sua ambição, ou seja, para Bruto, o seu defeito. Considera Bruto que a ambição de César era mais forte do que todas as suas outras qualidades, identificando, assim, a ambição como a razão para o matar.
Bruto diz ainda que, se houver alguém que queira ser escravo, que não ame a sua pátria que deve falar, pois terá ofendido essa pessoa.
Bruto diz que “fez morte” a César porque este o merecia, mas que, mesmo assim, as razões da sua morte não diminuem o valor das suas glórias.
Justifica a morte de César como sendo o melhor para Roma, e acaba o seu discurso dizendo que conserva o seu punhal, aquele com que matou César para que, se for preciso, o matem, caso ofenda a sua Pátria.
Bruto diz, então, para António trazer o corpo de César à presença do povo, e, depois, retira-se. Então, todos os cidadãos o aplaudem, dizendo que o levam até casa com aplausos e aclamações.
Mas Bruto recusa essa oferta, passando, de seguida, a palavra a António, ao mesmo tempo que incentiva a audiência a escutá-lo.
António começa por agradecer as palavras de Bruto. Dá início ao seu discurso, elogiando Bruto, ou seja, fazendo aquilo que os cidadãos queriam, descrevendo-o como um homem respeitável. Depois, diz que César sempre fora seu amigo, que era justo e leal. Contudo, logo de seguida, sublinha que Bruto diz que ele é ambicioso e que Bruto é um homem respeitável. António faz sempre questão de sublinhar esta ideia favorável a Bruto, de forma a agradar aos ouvintes e para que estes continuem interessados em ouvi-lo.
António passa, então, a contra-argumentar, de forma gradual, contra Bruto, defendendo que César não era ambicioso. De tal modo que dá o exemplo daquilo que aconteceu durante as Lupercais, quando por três vezes ofereceram a César uma coroa real e por três vezes ele rejeitou.
Os cidadãos começam, a pouco e pouco, a achar que o que António diz é razoável.
António continua, depois, dizendo que, se quisesse criar uma revolta, acusaria Bruto e Cássio, mas que não o fará, pois elas são homens respeitáveis.
António afirma, então, que encontrara um pergaminho que continha o testamento de César. Começa por dizer que não o que ler, mas que, se o ouvissem, todos iram aplaudir César. Os cidadãos insistem com António para que ele leia o texto, mas ele afirma que não quer ler e que apenas quer que todos saibam que César era amigo de todos. Diz que, se soubessem que eram os seus herdeiros, poderia levantar vários males.
Com os cidadãos a continuar a insistir, António diz que falou cedo de mais e não queria prejudicar esses homens que, com os seus punhais, assassinaram César.
António decide então ler o testamento, começa por descrever a morte de César adjectiva o punhal como “ punhal sangrento da traição”.
Todo o fórum fica chocado com esta descrição, classificando o dia como um dia calamitoso, e a chamarem a Bruto e Cássio traidores e celerados, descrevem todo o espectáculo como sangrento e triste.
Um cidadão começa a dizer que têm que se vingar de bruto e Cássio, querendo mata-los e incendiar a casa deles.
António continua dizendo que não quer despertar a revolta. Afirma que ambos são respeitáveis, mas não entende a razão que os levou a matar César. Descreve-os como homens sensatos e honrados e que poderiam apresentar boas razões, mas diz que não tem como objectivo enganar ninguém, e que é um homem simples, franco e amigo do seu amigo. Diz que não é um orador e que não tem poder de persuasão para arrastar os que o ouvem.
Os cidadãos começam, de novo, a ficar revoltados e a pedir vingança, mas António continua o seu discurso, referindo que se tinham esquecido do testamento de César. Começa, então, por dizer que César deixa a cada cidadão setenta e cindo dracmas, todos os jardins, lugares reservados e os seus pomares. António acaba o seu discurso dizendo: “este é o verdadeiro César”.
Chegados a este momento, os cidadãos descrevem César, como nobilíssimo, magnificente, e Bruto, como traidor.
Podemos concluir que, neste texto, ocorrem duas acções centrais: o momento em que Bruto discursa acerca das razões que o levaram a matar César; e o momento em que António faz a homenagem a César.
Neste texto podemos constatar que, tanto Bruto como António são ambos oradores, pois conseguem levar os cidadãos a concordar com os seus argumentos.
Bruto faz com que todos os cidadãos o achem digno e justo, e que achem que a morte de César foi justa.
Mas, depois, António consegue ter a capacidade de persuadir todo o fórum, começando por agradar aos cidadãos e, a pouco e pouco, introduzindo as suas opiniões e argumentos. Gradualmente, os cidadãos começam a achar Bruto um traidor e César uma vítima. Começam a querer homenagear César, ao mesmo tempo que vão pedindo vingança a Bruto.
Poderíamos dividir este texto em dois textos argumentativos: o texto argumentativo de Bruto; e o texto argumentativo de António.
Em ambos existe um momento de “captatio benenolentiae”, que consiste em seduzir os ouvintes, mesmo que tenham ideias e concepções diferentes. É o momento em que o orador atrai os ouvintes com a sua simpatia. No discurso de Bruto, este começa por dizer que ele próprio também era amigo de César, de forma a que, mesmo aqueles que gostassem de César o continuassem a ouvir.
No discurso de António, como já referi antes, está bem presente esta parte tão importante do texto argumentativo, por exemplo, quando António começa por elogiar Bruto de forma a conquistar todos os ouvintes.
Esta é, para mim, a parte mais importante do texto argumentativo, uma vez que revela o tema e o tom do orador. É a parte que capta os ouvintes e é onde os ouvintes “decidem” se estão interessados ou não no discurso e se estarão interessados até ao fim.
Verifica-se também neste texto que os ouvintes vão modificando o seu modo de pensar acerca da morte de César, à medida que se vão sucedendo os argumentos de um e de outro orador. Ou seja, mudam de opinião através dos argumentos de um orador. Verificamos isto, por exemplo, ao longo de o discurso de António: de início, tinham na cabeça os argumentos de Bruto, mas, à medida que seguem o discurso de António, vão modificando a sua opinião, começando, então, a ficar do lado de António e achando até mesmo que Bruto era, afinal, um traidor.
Mariana Cruz
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