domingo, 2 de novembro de 2008

Análise da Introdução ou Exórdio do «Sermão de Sto António aos Peixes»

O «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Viera, foi pregado três dias antes deste embarcar para o reino, no ano de 1654.
Vieira tinha estado no Maranhão, no Brasil, a abraçar missionação. O seu objectivo era converter os índios e educá-los.
O Padre António Vieira pronunciou este célebre Sermão, aproveitando o facto do dia 13 de Junho ser o dia de Sto António no calendário litúrgico.
O autor, neste sermão, queria denunciar a realidade da corrupção que existia nessa época, nomeadamente através da exploração dos pequenos pelos grandes.
A única riqueza da colónia de S.Luís do Maranhão, para os colonos, era os Índios. Chamavam-lhes o “ouro vermelho”.
Os colonos exploravam de forma desumana os índios. Os jesuítas (pregadores) não podiam permitir tal atrocidade. Os colonos eram homens que enriqueciam à custa do suor e do sangue dos índios.
O Padre António Vieira defendia os seus direitos e pretendia a abolição das leis que os tornavam cativos.
Como a palavra era a sua melhor arma, Vieira lançou-se com entusiasmo e alegria na grande abra da defesa dos Índios.
A introdução ou éxordio, deste sermão, é muito importante, na medida em que é o primeiro passo para captar a atenção dos ouvintes.
O barroco manifestava-se nesta obra através de fenómenos de grande rigor interno e externo: o cultismo e o conceptismo.
No cultismo era a tendência para abusar de metáforas, anáforas e antíteses. Utilizava-se um jogo de palavras recorrendo a trocadilhos e repetições.
O conceptismo era um jogo de conceitos, alegorias e ideias rebuscadas.
Partindo de um pequeno excerto bíblico de S.Mateus (“Vos estis sal terrae”) em que (vos = pregadores; o sal era a mensagem evangélica; terrae = ouvintes), os ouvintes não poderiam pôr em causa o que Vieira defendia. Não utilizava ele a palavra divina? Como poderiam contestá-la? Com vista à captação do auditório e através de uma engenhosa rede de jogos de palavras, Vieira recorre a vários artifícios: “Qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção?”; “Porque é que o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina?” Ou seja, porque é que a mensagem evangélica não chega aos ouvintes? Porquê? Tudo isto são trocadilhos e repetições do cultismo do Barroco.
Os pregadores não pregavam a verdadeira doutrina porque diziam uma coisa e faziam outra. Como Vieira diz: “os pregadores dizem uma coisa e fazem outra”; ou “ porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem”. Como diz Vieira, “ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem os seus apetites”, ou seja, os seus interesses.
E qual seria a solução para isto? Então, se o sal não salga, ou seja, os pregadores não conseguiam fazer-se ouvir, porque a terra não se deixava ouvir. Como Vieira disse, o sal será deitado fora como inútil para que seja pisado por todos.
Nem Jesus Cristo conseguiu resolver estes problemas no Evangelho. Mas havia uma solução.
O Padre António Vieira recorre ao português Sto António que, ao orar na cidade Italiana de Arimino, se viu atacado por muitos ouvintes. Portanto, Sto António questionou-se: “Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?” Não! Chegou-se à foz do rio e começou a fazer o sermão em nome de Deus aos peixes, ou seja, mudou o auditório. Mas ele não desistiu da doutrina. E com este paralelismo disse: “Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar”. E depois segue com o discurso: “Oh maravilhas do Altíssimo…”
O Padre António Vieira resolveu fazer como Sto António: voltou-se da terra para o mar e incitou os que não queriam ouvir a verdade a abandonar o Sermão.
Vieira acabou o Exórdio fazendo uma invocação a Maria, Senhora do Mar, com a sua costumada ironia.
O pregador invocou Nossa Senhora porque era habitual fazê-lo e ainda porque o nome Maria queria dizer Senhora do Mar.
E como os ouvintes do Sermão eram pescadores invocavam-na na faina da pesca.
E Vieira terminou o Exórdio dizendo: Ave Maria.

Ana Carolina

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