domingo, 2 de novembro de 2008

Sermão de Santo António aos peixes
Capitulo IV

Nesta parte do Sermão, o Padre António Vieira usa o mesmo método que utilizou nos capítulos anteriores quando fez os louvores aos peixes.
Continuando a evidenciar uma grande ironia, o pregador finge falar aos peixes, quando, na verdade, se dirige às pessoas que o ouvem.
Neste capítulo faz a repreensão aos peixes, repreendendo os seus vícios em geral.
1ª Repreensão: “Os peixes comem-se uns aos outros”
Para comprovar a tese de que os homens se “comem” uns aos outros, o orador recorre a exemplos concretos, do conhecimento dos ouvintes.
Ao longo do Sermão, o Padre António Vieira vai desenvolvendo a sua tese, referindo que os peixes se comem uns aos outros: os maiores comem os mais pequenos, à semelhança dos homens que se devoram uns aos outros, movidos pela cobiça e pelo oportunismo.
O verbo “comer” é aqui utilizado num sentido muito negativo, significando vigarizar, aproveitar-se, roubar os mais fracos.
“… A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os mais pequenos.”
(…) “Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um… devoram e engolem os povos inteiros.”
Recorrendo a outro exemplo concreto, o autor refere que, tal como o pão é “comer de todos os dias”, os pequenos “são o pão quotidiano dos grandes”, ou seja, são continuadamente explorados pelos mais fortes.
Seguidamente, o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite particular. O bem comum é a harmonia geral. O bem particular é o interesse individual de cada peixe. Fingindo dirigir-se aos peixes e, referindo-se aos ouvintes diz-lhes “… não vedes que contra vós se emalham e entralham as redes… contra vós se dobram e farpam os anzóis…”
Os peixes são perseguidos dia e noite por inimigos exteriores, os pescadores. Devem, pois, evitar as lutas internas que os destruirão. Se os peixes são uma família, devem proceder como irmãos, como lhes pregou Santo António. Por isso diz-lhes: “ … importa que daqui em diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um …”
Dando o exemplo dos peixes que caem facilmente no engodo dos pescadores, o orador passa seguidamente para a situação dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. É evidente que o seu objectivo é criticar fortemente a exploração dos índios por parte dos colonos.
2ª Repreensão: “A ignorância e a cegueira dos peixes”
Através desta alegoria, Vieira repreende a vaidade dos homens, que, tal como os peixes, se deixam “cegar” por um simples pedaço de pano, trabalhando toda a vida para poderem pagar o farrapo com que saem à rua. “… Vem o mestre de navio de Portugal com… quatro panos e quatro cedas… e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra.”
Mais adiante acrescenta: “Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça ou na cana, … e este trabalho de toda a vida, quem o leva?... no triste farrapo com que saem à rua. E para isso se matam todo o ano.”
Conclui que, ao contrário dos peixes cegos e ignorantes, que se deixam enganar por qualquer isco, o exemplo de Santo António, que nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, é aquele que deve ser seguido, pois “…trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda. Com aquela corda e com aquele pano pescou ele muitos…” Fazendo-se pobre e simples, conseguiu salvar muitos, ou seja, levou-os a terem uma vida digna e despojada de riqueza e ostentação.
A principal finalidade desta parte do sermão é convencer os ouvintes a evitar os defeitos destacados. Vieira faz, assim, um apelo à união de todos os indígenas contra a acção dos brancos que os escravizam.

João Filipe

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