sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O Capítulo VI do «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Vieira

O «Sermão de Santo António» foi proferido na cidade de S. Luís do Maranhão em 1654, na sequência de uma disputa entre os colonos portugueses no Brasil.
O Sermão constitui um documento de notável imaginação, de hábil oratória e de sátira, por parte do Padre António Vieira que considera os peixes como símbolos dos vícios daqueles colonos.
O Sermão é constituído por seis capítulos, em que se pode encontrar uma correlação entre as quatro partes da retórica clássica: o exórdio, referente ao capítulo I; a exposição, nos capítulos II e III; a confirmação, presente nos capítulos IV e V; e, por fim, a peroração, que corresponde à conclusão, pertencente ao capítulo VI.
Todo o Sermão, escrito por Padre António Vieira, constitui uma alegoria – figura que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades, isto é, temas abstractos, por termos que designam realidades físicas ou animadas, concretas, através de uma sequência organizada de metáforas, de modo que os elementos do plano das ideias e o plano figurado se correspondam – na medida em que os peixes são a personificação dos homens.
No capítulo VI deparamo-nos com a conclusão desta obra, sendo referido que os animais terrestres e as aves são sacrificados pelo sangue, pela vida, enquanto que os peixes são sacrificados pelo respeito e pela reverência, isto é, os restantes animais, à excepção dos peixes, vão, normalmente, vivos para o sacrifício, o que não acontece com os peixes, que morrem e, pelo que o Padre António Vieira afirma, “cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem chegue aos seus Altares.”
Tendo em conta que são os últimos parágrafos aqueles que mais captam a atenção do leitor, o orador tem como intenção "mover" o seu auditório. E é perante isto que o Padre António Vieira salienta dois pontos. Ele refere que os peixes estão acima dos outros animais, na medida em que o Levítico os exclui como objecto de sacrifício. Este facto é tido como positivo pelo orador, pois são os únicos animais a quem isto sucede. Relativamente ao homem, este também chega ao altar morto, mas, por sua vez, em pecado mortal, devido a todas as más acções praticadas durante a vida terrena. Neste contexto, Deus “não o quer”, pretendendo apenas que o homem siga o exemplo dos peixes e mantenha respeito e obediência à Suma Verdade. No segundo ponto, o Padre António Vieira refere que os peixes estão acima do pregador e que este demonstra um certo grau de inveja porque fala de si próprio como um pecador, tentando impressionar, deste modo, os ouvintes, tal como podemos observar a meio do capítulo VI, quando ele afirma: “Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis a Deus com a vontade.”
Todas estas repetições, proferidas pelo pregador, realçam o paralelismo – relação da construção da frase ou verso - entre o orador e os peixes, e as gradações – enumerações de elementos numa sequência determinada por uma ordem ascendente, crescente, em termos de intensificação do sentido.
Aproximando-se do final, o pregador torna-se mais exortativo e dinâmico, uma vez que a linguagem utilizada tem um tom imperativo, reiterando-se no louvor que se faz sentir uma gradação de tom, que indica o fim do Sermão.
Antes de finalizar, solicita aos peixes que louvem Deus por uma infinidade de acções, destacando-se: a sua criação em grande número; a distinção das outras espécies; a sua multiplicidade; a base de sustento ao homem, entre outras.
Acresce referir que o Sermão termina com o hino «Benedicite», dito num tom festivo, celebrando a festa de S. António.
Também está representada a presença de um recurso expressivo, que é o quiasmo - figura que consiste na disposição de quatro elementos, agrupados dois a dois por paralelismo, segundo o esquema da letra X, isto é, a segunda parte da construção contém os mesmos elementos, ou elementos paralelos da primeira, mas inverte-se a ordem de sucessão – que se traduz na expressão “como não sois capazes de Gloria, nem Graça não acaba o vosso Sermão em Graça, e Glória”.

Inês Santos

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