domingo, 2 de novembro de 2008

A partir de uma passagem da obra Júlio César, de William Shakespeare, contida no Manual de Português

CENA II – ROMA – A PRAÇA PÚBLICA
Na cena I César é assassinado por um grupo de nobres romanos, entre os quais Bruto. Bruto é muito estimado por César, como um filho, mas, tal como os outros conspiradores, achava que César se tornara uma ameaça à liberdade de Roma.
A cena que vamos tratar é a cena II, cuja acção se passa na praça pública, em Roma.
Bruto começa o seu discurso, dizendo aos cidadãos para se manterem silenciosos. Começa por dizer que, se algum dos presentes era amigo de César, ele próprio também o era, mas mais amigo era de Roma.
Faz uma pergunta ao público: “ Que preferis vós, ver César vivo e morrerdes escravos, ou ver César morto e viverdes livres?”
Bruto descreve César como: “Meu amigo, Glorioso, Valoroso e Ambicioso”. Conclui que deita lágrimas pela amizade, alegria pelas suas glórias, homenageia a sua coragem, e mata a sua ambição, ou seja, para Bruto, o seu defeito. Considera Bruto que a ambição de César era mais forte do que todas as suas outras qualidades, identificando, assim, a ambição como a razão para o matar.
Bruto diz ainda que, se houver alguém que queira ser escravo, que não ame a sua pátria que deve falar, pois terá ofendido essa pessoa.
Bruto diz que “fez morte” a César porque este o merecia, mas que, mesmo assim, as razões da sua morte não diminuem o valor das suas glórias.
Justifica a morte de César como sendo o melhor para Roma, e acaba o seu discurso dizendo que conserva o seu punhal, aquele com que matou César para que, se for preciso, o matem, caso ofenda a sua Pátria.
Bruto diz, então, para António trazer o corpo de César à presença do povo, e, depois, retira-se. Então, todos os cidadãos o aplaudem, dizendo que o levam até casa com aplausos e aclamações.
Mas Bruto recusa essa oferta, passando, de seguida, a palavra a António, ao mesmo tempo que incentiva a audiência a escutá-lo.
António começa por agradecer as palavras de Bruto. Dá início ao seu discurso, elogiando Bruto, ou seja, fazendo aquilo que os cidadãos queriam, descrevendo-o como um homem respeitável. Depois, diz que César sempre fora seu amigo, que era justo e leal. Contudo, logo de seguida, sublinha que Bruto diz que ele é ambicioso e que Bruto é um homem respeitável. António faz sempre questão de sublinhar esta ideia favorável a Bruto, de forma a agradar aos ouvintes e para que estes continuem interessados em ouvi-lo.
António passa, então, a contra-argumentar, de forma gradual, contra Bruto, defendendo que César não era ambicioso. De tal modo que dá o exemplo daquilo que aconteceu durante as Lupercais, quando por três vezes ofereceram a César uma coroa real e por três vezes ele rejeitou.
Os cidadãos começam, a pouco e pouco, a achar que o que António diz é razoável.
António continua, depois, dizendo que, se quisesse criar uma revolta, acusaria Bruto e Cássio, mas que não o fará, pois elas são homens respeitáveis.
António afirma, então, que encontrara um pergaminho que continha o testamento de César. Começa por dizer que não o que ler, mas que, se o ouvissem, todos iram aplaudir César. Os cidadãos insistem com António para que ele leia o texto, mas ele afirma que não quer ler e que apenas quer que todos saibam que César era amigo de todos. Diz que, se soubessem que eram os seus herdeiros, poderia levantar vários males.
Com os cidadãos a continuar a insistir, António diz que falou cedo de mais e não queria prejudicar esses homens que, com os seus punhais, assassinaram César.
António decide então ler o testamento, começa por descrever a morte de César adjectiva o punhal como “ punhal sangrento da traição”.
Todo o fórum fica chocado com esta descrição, classificando o dia como um dia calamitoso, e a chamarem a Bruto e Cássio traidores e celerados, descrevem todo o espectáculo como sangrento e triste.
Um cidadão começa a dizer que têm que se vingar de bruto e Cássio, querendo mata-los e incendiar a casa deles.
António continua dizendo que não quer despertar a revolta. Afirma que ambos são respeitáveis, mas não entende a razão que os levou a matar César. Descreve-os como homens sensatos e honrados e que poderiam apresentar boas razões, mas diz que não tem como objectivo enganar ninguém, e que é um homem simples, franco e amigo do seu amigo. Diz que não é um orador e que não tem poder de persuasão para arrastar os que o ouvem.
Os cidadãos começam, de novo, a ficar revoltados e a pedir vingança, mas António continua o seu discurso, referindo que se tinham esquecido do testamento de César. Começa, então, por dizer que César deixa a cada cidadão setenta e cindo dracmas, todos os jardins, lugares reservados e os seus pomares. António acaba o seu discurso dizendo: “este é o verdadeiro César”.
Chegados a este momento, os cidadãos descrevem César, como nobilíssimo, magnificente, e Bruto, como traidor.
Podemos concluir que, neste texto, ocorrem duas acções centrais: o momento em que Bruto discursa acerca das razões que o levaram a matar César; e o momento em que António faz a homenagem a César.
Neste texto podemos constatar que, tanto Bruto como António são ambos oradores, pois conseguem levar os cidadãos a concordar com os seus argumentos.
Bruto faz com que todos os cidadãos o achem digno e justo, e que achem que a morte de César foi justa.
Mas, depois, António consegue ter a capacidade de persuadir todo o fórum, começando por agradar aos cidadãos e, a pouco e pouco, introduzindo as suas opiniões e argumentos. Gradualmente, os cidadãos começam a achar Bruto um traidor e César uma vítima. Começam a querer homenagear César, ao mesmo tempo que vão pedindo vingança a Bruto.
Poderíamos dividir este texto em dois textos argumentativos: o texto argumentativo de Bruto; e o texto argumentativo de António.
Em ambos existe um momento de “captatio benenolentiae”, que consiste em seduzir os ouvintes, mesmo que tenham ideias e concepções diferentes. É o momento em que o orador atrai os ouvintes com a sua simpatia. No discurso de Bruto, este começa por dizer que ele próprio também era amigo de César, de forma a que, mesmo aqueles que gostassem de César o continuassem a ouvir.
No discurso de António, como já referi antes, está bem presente esta parte tão importante do texto argumentativo, por exemplo, quando António começa por elogiar Bruto de forma a conquistar todos os ouvintes.
Esta é, para mim, a parte mais importante do texto argumentativo, uma vez que revela o tema e o tom do orador. É a parte que capta os ouvintes e é onde os ouvintes “decidem” se estão interessados ou não no discurso e se estarão interessados até ao fim.
Verifica-se também neste texto que os ouvintes vão modificando o seu modo de pensar acerca da morte de César, à medida que se vão sucedendo os argumentos de um e de outro orador. Ou seja, mudam de opinião através dos argumentos de um orador. Verificamos isto, por exemplo, ao longo de o discurso de António: de início, tinham na cabeça os argumentos de Bruto, mas, à medida que seguem o discurso de António, vão modificando a sua opinião, começando, então, a ficar do lado de António e achando até mesmo que Bruto era, afinal, um traidor.

Mariana Cruz

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