terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A mudança ocorrida em Telmo Pais

Telmo Pais era o antigo aio e amigo escudeiro de D. João de Portugal e tinha um enorme amor, dedicação e fidelidade por este. Depois da “morte” de D. João, e passados cerca de sete anos, D. Madalena volta a casar, desta vez com Manuel de Sousa Coutinho: estes eram os "patrões" actuais do escudeiro Telmo e, além disso, este era considerado um amigo muito próximo ou mesmo parente da família.
Apesar de todos acharem que D. João tinha morrido, Telmo mantinha-se firme, pois acreditava que o seu senhor continuava vivo. Telmo não aceitava muito bem o facto de D. Madalena ter recomeçado a sua vida e de ter casado pela segunda vez: era uma prova de que D. João de Portugal podia ser superado ou ultrapassado. E isto era algo que Telmo pensava nunca conseguir: construir a sua vida sem a presença de D. João. Apesar de D. Manual de Sousa Coutinho ser um honrado e gentil cavalheiro, nunca conseguiria atingir o estatuto que D. João tivera para o próprio Telmo.
Deste segundo casamento resultou uma única filha, D. Maria de Noronha. No princípio, quando esta ainda era criança, Telmo não conseguia sentir um grande afecto por ela, pois sentia que D. Maria tinha nascido de uma traição, mas, à medida que esta foi crescendo, Telmo foi descobrindo um anjo dentro dela, repleto de bondade e de formosura. Numa das passagens iniciais, Telmo mostra o pouco apreço que tem pela situação em que D. Maria se encontra, já que esta era “digna de nascer em melhor estado”.
D. Madalena tem um enorme respeito e amizade para com Telmo, pois foi sempre admirando cada vez mais a sua pessoa e colocou-o numa posição bastante elevada na sua vida. Quando o seu primeiro marido morreu, D. Madalena apoiou-se em Telmo, que lhe dedicou todo o carinho e afecto que tinha para dar.
Telmo, sem se aperceber, foi transferindo o amor e admiração que tinha por D. João para D. Maria. Só no final na peça é que Telmo percebe que também tinha mudado, e que agora era D. Maria a sua senhora. Foi este o processo que se desenrolou ao longo da peça: por um lado, uma descoberta de si próprio, que só se concretizou no final da peça, e por outro lado a mudança que se instalara sem Telmo sem este se aperceber. Quando, no final da peça, é provada a crença de que D. João de Portugal estava vivo, Telmo também se apercebe que já não era o mesmo homem. Dá-se na cena IV do terceiro acto uma confissão marcada pelo sentimentalismo por parte de Telmo, quando este expõe a sua confusão interior. Nesta cena, a mudança de Telmo torna-se evidente e clara aos seus próprios olhos: o amor por D. Maria ultrapassara e apagara aquele que fora sentido por D. João. Durante todos esses anos, Telmo esperou pacientemente pela vinda do seu senhor, acreditando que era esse o desejo. Esperou tanto e desejou o seu regresso de uma forma tal que não conseguiu distinguir se era realmente isso que queria. Tinha-se habituado a essa espera, sem nunca reflectir e entender que era D. Maria que o preenchia. Dá-se então uma morte psicológica do antigo Telmo. Na cena V, Telmo assume uma nova posição perante a sua realidade: é chamado a admitir a D. João de Portugal, seu bom senhor e amigo, os novos sentimentos que se manifestavam e que se elevavam a quaisquer outros.


Marta Serra

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