Apesar disso, há pessoas conscientes que reconhecem que os poetas e artistas menores também expressam algo de fascinante, um belo particular e muitos amadores já reconhecem e estudam esses antigos artistas do nosso passado.
Mas o que importa neste momento é o presente.
O passado é interessante na medida em que já foi presente, e também porque agora o olhamos com um maior valor histórico. A mesma coisa se passa com o presente: tiramos proveito de representações do presente, porque essencialmente têm beleza por serem únicos, ao serem de agora e de nunca mais. Consigo perceber bem o que quer dizer: o belo tem a sua beleza por se distinguir dos outros, por ser uma expressão pessoal da imaginação, que se torna ainda mais especial ao percebermos que fazemos parte desse presente, e dessa beleza.
Tudo o que o homem faz na moda, que acha belo, fá-lo dependendo do que gostava de ser e parecer. O valor que o homem dá ao belo varia com a época, com a cultura e mesmo com o interior do próprio homem. O homem cria a moda segundo o valor que tem pelo belo. Mas o belo, esse, mantém-se inalterável.
Ao vermos muitas roupas e modas passadas, achamo-las, de certa forma, ridículas e ingénuas demais. Mas essas modas não passam de objectos indefesos para uma futura fase da moda: “o passado, sem deixar de conservar o picante do fantasma, retomará a luz e o movimento da vida, e far-se-à presente”.
A modernidade é ao fim e ao cabo uma certa maneira de nomear o futuro. Se olharmos para todas as modas existentes até agora, não encontraremos nada de novo, porque elas no fundo repetem-se como numa escala, portanto não há surpresas.
Se repararmos também no pensamento filosófico de cada época histórica, encontramos harmonia entre o estilo de roupa e essa ideia de vida. Porque no fundo, a moda consegue influenciar o modo e o pensamento de vida, e, inversamente, a maneira de ver o que nos rodeia influencia a moda. E isto acontece porque o belo consegue sempre satisfazer-se e encontrar abrigo.
O autor acaba por esclarecer ainda mais a questão do belo. O belo é constituído por dois componentes: o belo ETERNO e inquestionável, que está na “alma” da arte; e um elemento relativo e variável: que é a época, a moda, a moral... Sem esse segundo elemento, é impossível olhar o núcleo da arte. É preciso olhar o que a envolve, o que transmite a nossa natureza e, a partir daí, encontra-se a beleza, a beleza escondida que muitas vezes não se vê à primeira vista. Não há beleza sem estes dois elementos.
Isto está ainda mais esclarecido na frase: “A dualidade da arte é uma consequência fatal da dualidade do homem”. A parte eterna é a alma e o elemento varíavel é o corpo.
Agora relacionando o belo com a felicidade, aparece uma frase no texto que me guiou de certa forma: “o Belo não é mais que a promessa da felicidade”.
Na minha opinião, a felicidade é algo tão poderoso e fundamental que o belo não é capaz de ter a mesma grandeza que ela. Por mais que se pense que a felicidade está na moda, e nessas coisas materiais, não é verdade. A felicidade não se pode encontrar nessas coisas. Também não é preciso ser ou ter o belo para ser feliz, porque isso depende de nós e do valor que atribuímos às coisas. Tudo depende de nós. Mas digo também que na maior parte das vezes sentimos felicidade ao achar alguém belo (fisica ou psicologicamente), uma situação, uma realidade, qualquer coisa. A felicidade depende da nossa maneira de encontrar o belo no que nos rodeia; na realidade, há pessoas que não encontram felicidade porque não conseguem ver o belo em nada, para elas o mundo é preto.
É verdade, sim, que hoje em dia estes três aspectos estão muito ligados: a moda que faz pessoas felizes; o belo que trás o sentimento de felicidade para alguns, e também o facto de que tudo o que nos trás felicidade é BELO. Concluo dizendo que a felicidade está em cada um de nós e no que somos.
No segundo capítulo, Baudelaire fala principalmente da importância de se estar atento a todos os movimentos e situações, porque esse pequeno movimento leva a uma bela criação de arte, tão rapidamente executada como o movimento.
O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança
Começa por caracterizar alguém que muito admira, um artista verdadeiro, modesto e brilhante. Vou indicar os aspectos que o levaram a considerá-lo assim. Não assina obras com letras, mas na sua obra está delineada e exposta a sua alma. É curioso, gosta do seu mundo sem que se intrometam ou simplesmente que o elogiem. Não gosta de ser tema de conversa. Torna-se chefe e comandante de si mesmo, educa-se conforme as suas leis; inesperadamente descobre que tem valor dentro de si. Viaja e conhece. Desenha sem intenção. É um homem do mundo, que o compreende e o aceita pois aprecia tudo. Envolve-se no meio onde vive e é perseguido pela curiosidade. Basta um olhar no meio da multidão para o deliciar. E o facto de estar sempre num estado de curiosidade, fá-lo ser uma criança. Fascina-se com tudo, mesmo pelo vulgar. É feliz, e vê o belo por todo o lado. É feliz precisamente porque a vida é bela.
Agora, apesar de velho e sabedor, encontra felicidade diante do novo que o rodeia. E não é insensível. Pode estar fora de casa mas sente-se sempre em casa; gosta de estar no mundo e ao mesmo tempo escondido dele. Vive numa sociedade composta pelas telas que pinta. E não perde nada da vida, vê só a beleza do seu mundo. Delicia-se com a vida vulgar e quotidiana. Não perde minutos do dia, e fica até a luz se sumir por completo. E passa uma vida bem aproveitada, porque conheceu tudo.
Todos nós somos capazes de aproveitar e viver a nossa vida e de a preenchermos à nossa maneira, se virmos o belo da vida, se recordarmos o que temos neste instante, se nos lembrarmos da sorte que temos em existir, apenas a ver o mundo. Só isso nos pode trazer felicidade.
E depois de um dia belo, facilmente pega num lápis, ordena a memória, procura-a, percebe-a como uma criança e deixa-se levar. Este é Constantin Guys, um homem do mundo e para o mundo. E não só: é também a descrição de um verdadeiro homem.
Porque o trabalho de um artista não consiste só em pintar ou em escrever, mas sim em entender a arte que há na vida.
A modernidade
E com esta descrição toda que acabei por fazer, percebi que o objectivo do autor é procurar algo que se possa parecer com a modernidade, algo momentâneo. Quer encontrar algo de especial e poético, algo que o possa atrair.
“A modernidade é o transitório, o fugidio, a metade da arte, sendo a outra parte o eterno único”. Cada época tem a sua forma, o seu estilo, a sua pintura. E a modernidade reveste-se desse olhar, desse sorriso, como meio para exprimir o que realmente quer transparecer: o belo, o eterno, a poesia, a beleza, a emoção. Uma beleza misteriosa e que só aqueles que a vivem e a sentem é que podem perceber.
E relaciono isto com o homem: cada um tem a sua maneira de ser, modo de agir, de falar, de se relacionar. E isso tudo só tem sentido se tiver por detrás uma alma, uma emoção que se queira mostrar através desses actos, que mostre o que somos realmente.
Para que essa modernidade seja tornada antiguidade, é preciso que a mensagem escondida tenha chegado ao destino, tenha embelezado, para, assim, ser reconhecida. Porque através do corpo conseguimos descobrir o espiritual que há por detrás.
E como Constantin Guys, primeiro viveu a vida, sentiu-a, viu o belo, pôde sentir a felicidade dentro de si para depois estar pronto para a transmitir aos outros nas mensagens que lançou ao ar, mas que poucos conseguiram apanhar por ser tão profunda. E foi assim que se tornou um verdadeiro homem, repleto de felicidade e de arte. E afinal de contas, qual é a meta de qualquer homem?
Marta Serra, em 2007/08
Sem comentários:
Enviar um comentário